terça-feira, 13 de março de 2012


Sobre o novo Velho Mundo
 

II
 

Paris é uma festa é o título de um livro memorável, escrito por Ernest Hemingway, nos anos 60, mas que retrata a Paris da década de 20 do século passado, quando artistas do mundo inteiro – entre eles, o próprio Hemingway - buscavam inspiração nos museus, cafés e bulevares da cidade-luz. Hoje, os tempos são outros – penso ao lembrar os rostos sombrios, a impaciência e a estranha pressa que parece mover os passos do francês contemporâneo.
Ainda assim, aos olhos do mundo, Paris continua sendo uma festa, e por isso todos os dias, suas ruas são tomadas por milhares de turistas que – como eu – se dispõem a enfrentar o frio e o vento cortante do inverno, só para desfrutar da beleza e dos séculos de história inscritos em suas suntuosas construções.
O Palais de Versailles, a Pirâmide do Louvre, o Musée d’Orsay, um passeio pelas ruas do Marais, a visão da Tour Eiffel iluminada, andar até não sentir mais os pés e depois deliciar-se com um bom Bordeaux e a sugestão do chef de um dos bistrôs espalhados às centenas pelos 20 arrondissements da cidade.
A culinária francesa é tão rica e variada que é quase impossível conhecê-la, em sua totalidade. Para mim foi um presente, uma benção mesmo, poder sair com meus filhos, dia após dia, a experimentar seus tantos sabores, suas iguarias, seu mix de tradição e invenção como só é possível encontrar em Paris.
Num desses dias abençoados, fui visitar a Chapelle de La Médaille Miraculeuse, onde, no século XIX, Nossa Senhora se revelou a Catherine Labouré, e pediu-lhe para cunhar uma medalha com a inscrição – Ó Maria concebida sem pecados, rogai por nós que recorremos a vós.  Ao uso dessa medalha são atribuídas até hoje centenas de milhares de curas, ao redor do mundo.
Cheguei à capela no exato momento em que começava uma missa. Assisti ao rito, completamente tomada pela emoção, embalada pela voz de um anjo que, disfarçado de irmã da caridade, entoava cânticos de louvor, durante toda a celebração. E foi então que testemunhei um milagre, mas isso já é história para outra crônica. Quem viver lerá.

domingo, 4 de março de 2012



Sobre o novo Velho Mundo
I

            “When I find myself in times of trouble, Mother Mary comes to me speaking words of wisdom. Let it be…”. Ganhei uma caixinha de música de meu filho, durante a viagem, desenhada com monumentos históricos de Paris: o Arco do Triunfo, a Catedral de Notre Dame, uma frase escrita em francês - La vie parisienne -, e uma antiga manivela com acordes de Let it be, o hino de louvor dos Beatles que, nos anos 70, embalou os sonhos de multidões no mundo inteiro.
          A permanência talvez seja o valor mais caro aos habitantes do Velho Mundo e é isso que encanta a nós, habitantes das terras novas das Américas, já não tão novas assim – penso, ao ouvir os sons da canção, à medida que os dedos rodam em círculos o singelo brinquedo.
          A velha Paris estava tomada por uma onda de frio oriunda da gélida Sibéria – diziam os boletins meteorológicos da TV francesa -, mas nem isso impediu o encantamento que tomou conta de minha alma ao sair do metrô, em pleno Boulevard Champs Elysèes e dar de cara com o Arc de Triumphe, todo iluminado, ornamentado por uma grande bandeira da França, tremulando ao alto, bem no meio das duas colunas que sustentam o teto suspenso do monumento.
          Naquele momento, acontecia uma cerimônia qualquer do Governo francês, havia música e guardas em trajes de gala. Estávamos eu, meus dois filhos e minha prima, cujo nome – Maria Antonieta – imediatamente remeteu-me ao advento da Revolução Francesa que mudou para sempre o curso da história da humanidade.
          Eqalitè, Libertè, Fraternitè – repito de memória a frase-símbolo que soterrou velhas monarquias européias e consagrou a república como modelo de uma nova sociedade em construção. Hoje, depois de um mês de viagem que me levou de volta às capitais da França e da Inglaterra, vinte e seis anos depois da última visita, posso dizer que entendo um pouco mais o jeito de ser e de viver dos habitantes do Velho Mundo.
          Estar ali com meus filhos, ver seus olhos brilharem a cada nova visão, a cada nova descoberta de uma história humana em constante evolução, fez-me entender um pouco mais esse sentido de continuidade e de permanência. E foi com o peito tomado pela emoção da descoberta que, dias depois, voltei a pisar o solo de Londres, a capital da Inglaterra onde vivi por sete meses, na década de 80. Mas isso já é uma história para outra crônica. Quem viver lerá.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Diário de Viagem

Mamãe faz 80 anos

Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
O sol dos trópicos
jorra, esplendoroso
e até o mar
parece cantar
canções de amor,
canções de esperança,
canções de ninar.

Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
Talvez por isso
o riso nos visite
farta e repentinamente,
talvez por isso
dancem nossos corações
e se faça eterna e leve
a roda do tempo
a se desenrolar.

Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
Como se em cada um de nós,
seus descendentes,
se prolongasse o sonho
de amar aos seus
tão plenamente
que o ato de amar,
por si só,
nos transcendesse
e nos justificasse
a trajetória humana
enfim tão frágil
e breve.

Hoje é dia de festa,
dia de comemorar
o dom da vida
e a graça de vivê-la
integralmente.

Bendito seja Deus
que de tal mãe nos concebeu,
recebe - ó mãe -
do esposo e filhos teus
os versos dessa prece.

E em gratidão a tanto
que nos deste,
vivamos nós
em paz
e em comunhão
os anos que nos restem.

                  João Pessoa, 17 de fevereiro de 2012

                  Joacil, Isabel, Eitel, Joacil Filho, Augusto, Amneres, Francisco, Nely e Rodrigo (in memoriam)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Sobre o gosto de escrever-te

Viro o tapete para que fique exatamente em frente ao box do chuveiro. Voltar pra casa tem seus rituais. Um dos que mais gosto é exatamente esse – o de repor os objetos pessoais cada um de seu jeito. E um dia, percebendo isso, simplesmente mudar tudo de lugar. Só pra começar de novo, só pra assistir à vida criar-se e se renovar.
A aventura de escrever começa a acontecer, de fato, quando a gente percebe isso. Tudo passa e tudo se renova, pois que a existência é um ciclo – pulsa em mim o sentimento. E logo se dilui, no instante mesmo em que me chamam à mesa de jantar.
Lá fora, desaba um temporal que lava até pensamento – penso, com o peito enxarcado pelo domingo cinzento. Mês de novembro em Brasília é assim mesmo, chove quase sem parar. Quer saber, deixa prá lá. É só pra paralisar o instante e te ver sonhar. Pra teu entretenimento.

domingo, 20 de novembro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

(des)afogamento

Um dia
Quis fundir
O oco de
Minha alma
Ao corpo
Da alma
Do outro
Mas sua alma
Sua mente
Seu corpo
Formavam
Um único
Solitário
Imensurável
Poço
Sem fundo
De onde
Amiúde
Eu busco
Emergir.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Sim, o amor

Um dia,
vi sua imagem
dissolver-se,
grão a grão,
qual catedral de areia
e pude enfim,
pela primeira vez,
viver a vã realidade.
Foi desde então
que aprendi a arte
de tirar leite de pedra,
e recompor-lhe a imagem,
grão a grão.

sábado, 15 de outubro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Não amor


Compulsão,
insanidade,
vício,
doença incurável,
perigo iminente
como equilibrar-se
face o precipício,
permanentemente
e então deixar-se
cair... cair...
no escuro infinito,
no abismo insondável,
no espaço mítico
sem gravidade,
poço sem fundo,
sem volta,
sem norte,
sem fim,
como se a vida
só se explicasse
no corpo
adverso do
outro,
na gêmea metade,
na face abjeta
do amor
revelada
enfim.