Chacal e Adoniram no CEP Vinte Méier
Terça é dia de CEP Vinte Méier
O CEP Vinte Méier,
sob a batuta do poeta Ricardo Chacal, é um dos últimos redutos da poesia pop,
rebelde, irreverente, espécie de resistência poético-anárquica do Rio de
Janeiro. Fora as academias, associações e movimentos mais bem comportados –
fundamentais para a preservação de nossa memória poética -, poucos movimentos
têm essa postura, essa coisa libertária, tão presente na Geração Mimeógrafo, da
qual Chacal é um dos poetas mais representativos.
A Geração Mimeógrafo,
também chamada de Poesia Marginal, surgiu nos anos 70 e representou uma segunda
ruptura literária, no Brasil do século XX. A primeira foi o Modernismo, que
eclodiu no país nos Anos 20. O maior feito
dessa geração foi a própria linguagem que incorporou à poesia elementos do
cotidiano das ruas e da linguagem oral.
E do ponto de vista
da produção literária, o grande diferencial da poesia marginal foi a reprodução
de textos e livros no mimeógrafo, um método artesanal e alternativo de produzir
e distribuir poemas de mão em mão, em substituição aos métodos tradicionais,
envolvendo gráficas, editoras e livrarias.
O CEP Vinte Méier é
a nova roupagem do Centro de Experimentação Poética - CEP Vinte Mil, fundado
por Chacal, Guilherme Zarvos e Carlos Emílio, já nos Anos 90, quando os
chamados poetas marginais já tinham mais de uma década de estrada. O CEP faz
história no Rio há 24 anos e já funcionou em vários lugares da cidade, desde
que começou no Espaço Sérgio Porto, que pegou fogo em 2006, até ancorar no
Méier.
Em sua versão atual, que acontece uma terça feira a
cada mês, no Teatro Imperator, no bairro do Méier, zona norte da cidade, o CEP
continua sendo uma espécie de tribuna livre da poesia. E hoje o mestre de
cerimônia Chacal nos recebe com uma máscara de diabo, dizendo poemas eletrizantes,
ao som de um fagote, tocado pelo poeta e músico Adoniran Marcos.
A nova poesia carioca e a poesia autêntica do Méier,
com nomes como os de Jovi Joviniano, e dos poetas da Roda de Rima do Méier, passam
por aqui, nessa noite luminosa. Mas o brilho maior da noite quem nos traz é a
dupla Fausto Fawcett e Arnaldo Brandão, resgatando sucessos como Kátia Flávia –
uma espécie de prenúncio do rap, lançada por Faucett e sua banda, os Robôs
Efêmeros, em 1987, e Rio 40 Graus, em 1992, outro poema-canção premonitório, algo
assim como um funk high-tech, também composta por Fausto Fawcett em parceria
com Fernanda Abreu e Laufer.
Munido de sua inseparável guitarra, Arnaldo Brandão fez
duetos hipnotizantes com Fausto Fawcett, com direito a uma canja de Tavinho Paes,
outro poeta da geração mimeógrafo e velho parceiro seu. Ao final, Brandão
relembrou clássicos que compôs com outro parceiro que ficou na história, o
cantor Cazuza, como a canção O Tempo não Para, que levou a plateia ao delírio.
“Rio 40 graus, cidade maravilha, purgatório da beleza
e do caos...”. Saio do sarau com a canção na alma e a sensação de que ali no CEP
Vinte Méier, a poesia ainda pulsa, unindo inovação e história, memória e criação.
Gostei muito da nova geração de poetas e músicos que por aqui passaram, mas,
para mim, ainda hoje são nomes como os de Fawcett, Brandão e Chacal que
continuam ditando os rumos da vanguarda poética carioca. Eles ainda são
incrivelmente atuais, penso, absorta, durante a viagem de volta, pendurada no
apoio de uma alça do ônibus lotado, em direção a Ipanema.