sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Diário de Viagem

 




Drummondiana


No meio do caminho

tinha uma pedra

que logo contornei

e segui adiante.


Tinha uma pedra

mas a pulei, 

de súbito, no susto,

e segui adiante.


Tinha uma pedra

e simplesmente

a ignorei

e segui adiante.


Tinha uma pedra,

olhei-a de relance,

admirei sua presença pétrea

e segui adiante.


Tinha uma pedra

incorporada à paisagem,

em sua beleza bruta de pedra

e segui adiante.


Tinha um pedra

e ela era parte de mim

(trago-a comigo no rim)

e segui adiante.


Tinha uma pedra,

olhei-a e eu era a pedra

no meio do caminho

(que me leva a mim).


          (Amneres, agosto, 2023)

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Diário de Viagem


 Magmas


Um objeto voador

não identificado

sobrevoou o Plano

Piloto lá do alto do

pico da Torre de TV.

Será anjo ou ET,

penso cá comigo

sem saber ao certo

o que tenho sonhado,

imaginado ou visto

sob o imenso céu

do Planalto,  

desde que aqui pousei,

em tempos longínquos.


Agora mesmo, eu vi

passar por mim o flash

da sombra de um zumbi,

atravessando o asfalto,

vestido com mulambos,

como um rei portando

um manto maltrapilho,

disfarçado de mendigo

ou um Jesus da cena épica 

do Auto de um Ariano

compadecido, 

a me lembrar o quão 

distante estamos 

da cidade profetizada

por Dom Bosco.


Segui pelo Eixo Monumental

até a altura do Memorial JK,

onde a escultura de um 

presidente icônico

aponta o horizonte vasto,

além do largo terrapleno 

onde se assenta a praça, 

circundada por palácios.

Em todo o campo de visão,

o céu azul é soberano

e lá no fundo, o espelho

das águas do Lago Paranoá

reflete o que é de sofrer

e o que é de sonhar

nessa paisagem

de sutis arcanos.


Manter o encanto é possível,

quando se vive tanto?

Pergunta-se a alma 

sexagenária, ao perder o olhar 

sobre os arcos de Oscar.

Das ruínas do Templo

de Zeus ao Coliseu romano,

das Pirâmides do Egito

ao Kremlin de Nikolai,

as colunas sustentaram

o cetro de deuses, faraós,

czares e generais.

Nas terras altas do planalto,

ergueram tronos e catedrais,

hastes suspensas 

sob palácios colossais. 


E a multidão sem rumo

segue, abandonada

à própria sorte, desde

tempos imemoriais.

Horda de servos e miseráveis,

mortos-vivos, sem ter

quem lhes chore ou salve.

Pode-se vê-los nos becos,

sob escombros, vagando

pelas ruas das cidades.

Esquálidas silhuetas

sangrando a felicidade, 

ruínas do pensamento.


Nos magmas subterrâneos

das palavras, o poema

expele sua lava de silêncio.