Magmas
Um objeto voador
não identificado
sobrevoou o Plano
Piloto lá do alto do
pico da Torre de TV.
Será anjo ou ET,
penso cá comigo
sem saber ao certo
o que tenho sonhado,
imaginado ou visto
sob o imenso céu
do Planalto,
desde que aqui pousei,
em tempos longínquos.
Agora mesmo, eu vi
passar por mim o flash
da sombra de um zumbi,
atravessando o asfalto,
vestido com mulambos,
como um rei portando
um manto maltrapilho,
disfarçado de mendigo
ou um Jesus da cena épica
do Auto de um Ariano
compadecido,
a me lembrar o quão
distante estamos
da cidade profetizada
por Dom Bosco.
Segui pelo Eixo Monumental
até a altura do Memorial JK,
onde a escultura de um
presidente icônico
aponta o horizonte vasto,
além do largo terrapleno
onde se assenta a praça,
circundada por palácios.
Em todo o campo de visão,
o céu azul é soberano
e lá no fundo, o espelho
das águas do Lago Paranoá
reflete o que é de sofrer
e o que é de sonhar
nessa paisagem
de sutis arcanos.
Manter o encanto é possível,
quando se vive tanto?
Pergunta-se a alma
sexagenária, ao perder o olhar
sobre os arcos de Oscar.
Das ruínas do Templo
de Zeus ao Coliseu romano,
das Pirâmides do Egito
ao Kremlin de Nikolai,
as colunas sustentaram
o cetro de deuses, faraós,
czares e generais.
Nas terras altas do planalto,
ergueram tronos e catedrais,
hastes suspensas
sob palácios colossais.
E a multidão sem rumo
segue, abandonada
à própria sorte, desde
tempos imemoriais.
Horda de servos e miseráveis,
mortos-vivos, sem ter
quem lhes chore ou salve.
Pode-se vê-los nos becos,
sob escombros, vagando
pelas ruas das cidades.
Esquálidas silhuetas
sangrando a felicidade,
ruínas do pensamento.
Nos magmas subterrâneos
das palavras, o poema
expele sua lava de silêncio.