Voltávamos todos para casa,
alguns, há décadas, ausentes;
outros que haviam partido
há pouco, recentemente;
alguns sequer se ausentaram,
vivendo suas jornadas,
de uma vez, simultaneamente.
Almas em movimento,
por todas tu esperavas,
Mamãe, com contentamento,
em tua casa banhada
pela luz do sol nascente
e pelas águas salgadas
do oceano, a sua frente.
Em meu peito impaciente,
mamãe, já se antecipava
o momento da chegada,
quando enfim nos abraçavas
e tudo se iluminava.
Como se o tempo voltasse
à limpidez das nascentes.
Antes de cravar seus dentes
nas profundezas da alma,
marcando sua passagem
nos sulcos rasgando a carne,
nos lapsos turvando a mente,
na turbulência das águas
onde navegam as gentes.
Tua dor, a carregaste,
bem sei, quão dignamente,
estandarte a indicar-me
o caminho, cujo espinho,
eu já o sinto na carne.
Hoje, carrego no peito,
a dor, uma rosa escarlate,
Por isso, o poema
arde, sangra, pulsa.
Como uma úlcera,
mamãe, uma ferida aberta,
dentro do peito da gente.
Ontem, sonhei com as ruínas
da casa que construístes.
Por uma rampa suspensa
entre a murada e o chão,
eu via a demolição,
Suas paredes tombavam,
mãmãe, a alevantarem
o pó dos anos felizes.
Dilacerada a visão,
O coração a ruir,
eu caminhava, mamãe,
quando, de repente, vi
erguer-se uma parede
esplêndida, desde o chão,
cravejada de cristais,
esmeraldas e rubis.
E elas brilhavam, mamãe,
Coloridas e lavadas,
suas pedras cintilavam,
como os seixos nas nascentes.
Olhei o céu e era azul,
segui o voo das aves,
até perder-se no verde
do imenso mar à frente.
E tudo resplandecia,
mamãe, quando acordei.
Tudo era pertinente
aos olhos de Deus, pensei.
Como a parede surgindo
dos escombros das ruínas,
entendo que nada morre
sem que renasça das cinzas.
Por isso, não digo adeus,
mamãe, nem mesmo até breve.
Enquanto houver voz em mim,
ecoarão as palavras
de um diálogo sem fim,
fluindo entre mim e ti,
sobre tudo o que nos una,
que nos instigue e enleve.
Pois que ainda estás aqui,
vivendo na voz dos pássaros,
na verdura dos jardins,
nas ondas do mar sem fim.
Vivendo dentro de mim,
mamãe, e a te traduzirem
os versos que em mim se inscrevem.
Hoje o poema se curva
diante do teu amor
e de sua fonte, bebe.
Poesia é matar a sede.
Amneres, 27 de abril de 2025.