Domingo na praça
Acordar no Domingo, no Rio, é uma delícia. Se o dia é meio nublado, como esse de hoje, a gente pode trocar a praia pela praça, sem
arrependimentos. Começo o passeio com uma caminhada até a Praça Nossa Senhora
da Paz, no coração de Ipanema. Entro na Igreja da Paz e faço uma oração para
iluminar o dia, depois, atravesso a Visconde de Pirajá e me delicio, lendo as
notícias expostas na Banca de Revista Antiga, na calçada da praça, voltada para
a avenida, quase em frente à igreja. “O sol nas bancas de revista / me enche de
alegria e preguiça / quem lê tanta notícia / Eu vou....”, canto, de memória,
com Caetano Veloso, o hit que desde 1967 enche de sol e luz as centenas de
bancas de jornais e revistas espalhadas pela orla carioca. Enquanto a canção
canta em mim, os olhos passeiam pelas manchetes e fotos das principais revistas
e periódicos que circularam no Brasil, entre as décadas de 50 e 80 – período retratado
pelo acervo da banca.
Entro para observar mais de perto as paredes, forradas por
revistas como O Cruzeiro, Manchete e Fatos e Fotos, estampando em
legras garrafais os principais acontecimentos daquelas décadas. A Guerra do
Vietnam, o primeiro homem a pisar a lua, a inauguração de Brasília, a morte de
Airton Senna; os Beatles, JK, Pelé, John Kennedy, Martin Luther king; nomes e imagens
sobre conquistas, tragédias. ídolos de tempos idos transpassam os olhos e ora ferem,
ora encantam o coração. Compro uma edição histórica da Manchete, com um balanço
de 35 anos de fatos acontecidos entre 1952 e 1987 – ano da publicação, e levo
de presente para o poeta Luis Turiba, que recentemente fez o caminho de volta
ao Rio, depois de algumas décadas vivendo em Brasília. Eu o conheci na década
de 80, como editor da Revista Bric-a-Brac, que fez história na novíssima
Capital da República, ao estampar em suas páginas a vanguarda da arte
brasileira, e revelar para o Brasil talentos como o do poeta Manoel de Barros,
que ali publicou poemas inéditos.
Pego o metrô na Praça General Osório e salto na estação do
Largo do Machado, em Laranjeiras. De lá, sigo a pé, encantada pela beleza das
árvores do Largo e da Igreja de Nossa Senhora da Glória, cuja pedra fundamental
foi lançada em 1842, pelo próprio Imperador D.Pedro II. Alguns quarteirões depois,
finalmente, chego à Praça São Salvador, onde encontro meu amigo, acompanhado de
filhos e netos, num cenário tanto bucólico quanto festivo.
Ao meu redor, circundando o velho coreto, sob a sombra
abençoada de árvores centenárias, as pessoas se juntam para bater papo, tomar
caipirinha e escutar a música encantadora de uma orquestra de chorinho, que
enche de paz e alegria o espírito de quem por ali passa. Esse é o Rio profundo,
diz-me Turiba, enquanto ouvimos, embevecidos, a execução, pela roda de choro,
de clássicos desse estilo musical brasileiríssimo.
O choro, ou chorinho como a maioria o conhece, é um estilo
de música bem brasileiro, surgido há cerca de 130 anos, no Rio de Janeiro, quando ainda era Capital do Império, por volta de 1870. O gênero caracteriza-se pelo
virtuosismo e improviso de seus participantes.
Como um jazz à brasileira, o
chorinho – segundo estudiosos do estilo - ganhou fôlego com o flautista Joaquim
Calado, ao incorporar ao solo de flauta dois violões e um cavaquinho, que
improvisavam livremente em torno da melodia. Chiquinha Gonzaga, Ernesto
Nazareth e Pixinguinha emprestaram nobreza ao gênero e o gênio de Heitor
Villa-Lobos, com seu virtuoso ciclo de choros, inscreveu-o definitivamente no
panteon da música universal. Na Praça São Salvador, localizada entre os bairros
de Laranjeiras e Flamengo, há sete anos, grupos convidados pela Roda de Choro
Arruma o Coreto se revezam no palco ao ar livre, às sombras das árvores, para
oferecer ao público o melhor do chorinho nacional, do clássico ao
contemporâneo. O grupo que deu início à roda de choro era formado por Ana
(flauta), Mariana (bandolim), Caverna e Mário (pandeiros), Félix, Gilberto,
Tábata e Alexandre (violões) e Maria (cavaco). A eles, deixo aqui o meu aplauso
e a minha gratidão, em nome de todos os amantes da boa música, do bom papo e da
boa vida.
Eu e o poeta Luis Turiba, na Praça São Salvador