quinta-feira, 19 de janeiro de 2017
DIÁRIO DE VIAGEM
Quo vadis, Sampa
(para Caetano Veloso)
"Alguma coisa acontece
No meu coração",
Caetano, meu poeta
Irmão.
Alguma coisa
Súbita e implacável,
Como o fulgor de um raio
Numa tarde de verão.
Alguma coisa cortante,
Lâmina perfurante
Tentando penetrar-me
A carne.
Espasmo de dor
Debaixo do seio esquerdo,
Chegando e metendo medo,
Doendo, fazendo alarde.
"Alguma coisa acontece
No meu coração",
Caetano, meu poeta
Irmão.
E eu peço clemência
Ao Pai e creio,
Creio em milagres.
No milagre do amor
E no milagre da arte,
Na força de uma imagem
Outrora urdida no peito
De um menino.
(Trazia a Bahia na alma
E no corpo, o fogo
Do desejo peregrino.
E via beleza em tudo,
"No avesso do avesso
Do avesso" do olho
Do destino).
Em Sampa, sem céu,
Sem mar, sem face,
Viu o fado cruel
Dos desvalidos
E a força dos
Sonhos de seus
Filhos erguendo
A cidade.
"Alguma coisa acontece
No meu coração",
Caetano, meu poeta
Irmão.
Também eu vejo
Beleza, vejo virtude,
Vejo fuligem
Nos elmos
Dessa engrenagem.
E peço emprestado
Os versos antigos
Que ora reescreves
Ao som das guitarras
Da contemporaneidade:
São Paulo, "alguma coisa
Acontece no meu coração",
Quando olho as torres
De concreto armado
Do teu coração.
Amneres - Diário de Viagem - www.poesiaemtemporeal-amneres
domingo, 15 de janeiro de 2017
DIÁRIO DE VIAGEM
Morte e
Ressurreição
Dentro da noite
Há mistério,
Insones palpitações
No corpo etéreo
Da existência,
Quando fala a alma
Das palavras:
Morte, livro, unção.
Ela acordou poemas
Ocultos nos recônditos
Do seu coração.
Amar é de repente:
Raio, relâmpago, trovão,
Pingos de encanto
E pronto.
Infarto do miocárdio:
Dor aguda no peito
E o risco de partir
sem aviso prévio.
A lua cheia nasceu
Dentro do mar,
Tanta beleza tem voz:
Deus existe
E ponto.
Despedir-se da mãe
É tão triste, tão triste.
Que durma em paz,
Pede em silêncio
Toda vez que parte.
E enfim o dia amanhece:
Levanta-te e anda,
Amneres.
sexta-feira, 18 de novembro de 2016
DIÁRIO DE VIAGEM
Inominável
Liguei
E ela despediu-se
Outra vez.
Disse sentir umas
Coisas que não são
Para se sentir.
- Não é normal,
Se não se está
Partindo.
Disse
E o surdo som
Zuniu, profundo.
Eco sem fundo
Ruindo
Dentro de mim.
- Um dia desses,
Uma hora dessas,
Ela vai.
Fez-se enfim
Tal órfão
Verso insípido.
Inóspito,
Sem mãe,
Sem paz.
domingo, 30 de outubro de 2016
DIARIO DE VIAGEM
Poiesis
Cantam aves,
Range a rede,
Ventam ventos
Verdes,
Balançando
Os sinos
De bronze
Pendurados
Na viga
Do telhado,
E esse som
Sagrado,
Misturado à brisa
Sobre a face,
Faz-se enfim
Linguagem,
E traduz-se
Em prece,
Nesses
Versos livres.terça-feira, 4 de outubro de 2016
Orla Bardot
No meio do caminho tinha uma gaivota. Voava plácida, circundando os mastros dos barcos ancorados à baía por onde passou, certa vez, o furacão Bardot, deixando sua marca indelével eternizada na escultura de pedra, encrustada às margens úmidas da enseada.
Reza a lenda ter a atriz vivenciado ali um grande amor, paixão improvável entre musa e pescador, cujas redes bem-aventuradas em lugar de peixes, trouxera a sereia, saída das telas do cinema para as brancas areias de Iemanjá.
Armação de Búzios cresceu, quase engolida pela fúria imobiliária, pelo fantasma do declínio que corrói o tempo e engole a ilusão, como ensina o ciclo da vida em rotação, mas a Orla Bardot mantém a aura, um ar etéreo de eternidade, suave torpor impregnado no balanço dos barcos ancorados, na névoa do tempo chuvoso de setembro.
Sentar-se com a musa e sonhar com a febre de outros tempos, fechar os olhos, deixar-se estar...
DIÁRIO DE VIAGEM
No meio do caminho tinha uma gaivota. Voava plácida, circundando os mastros dos barcos ancorados à baía por onde passou, certa vez, o furacão Bardot, deixando sua marca indelével eternizada na escultura de pedra, encrustada às margens úmidas da enseada.
Reza a lenda ter a atriz vivenciado ali um grande amor, paixão improvável entre musa e pescador, cujas redes bem-aventuradas em lugar de peixes, trouxera a sereia, saída das telas do cinema para as brancas areias de Iemanjá.
Armação de Búzios cresceu, quase engolida pela fúria imobiliária, pelo fantasma do declínio que corrói o tempo e engole a ilusão, como ensina o ciclo da vida em rotação, mas a Orla Bardot mantém a aura, um ar etéreo de eternidade, suave torpor impregnado no balanço dos barcos ancorados, na névoa do tempo chuvoso de setembro.
Sentar-se com a musa e sonhar com a febre de outros tempos, fechar os olhos, deixar-se estar...
quarta-feira, 31 de agosto de 2016
DIÁRIO DE VIAGEM
Geopoética
Quando cheguei,
Estranhaste-me
E te estranhei,
Duas aves míticas,
Malditas, presas
Ao concreto armado
De nossas íntimas
Solidões.
Desde ali,
No momento exato
Em que te vi, foste
Pulsão e espelho,
E em tuas asas
Percorro léguas
De existir.

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