segunda-feira, 16 de junho de 2014

SETE DIAS NO RIO

                                                  Roda de Choro na Praça São Salvador

Domingo na praça

Acordar no Domingo, no Rio, é uma delícia. Se o dia é meio nublado, como esse de hoje, a gente pode trocar a praia pela praça, sem arrependimentos. Começo o passeio com uma caminhada até a Praça Nossa Senhora da Paz, no coração de Ipanema. Entro na Igreja da Paz e faço uma oração para iluminar o dia, depois, atravesso a Visconde de Pirajá e me delicio, lendo as notícias expostas na Banca de Revista Antiga, na calçada da praça, voltada para a avenida, quase em frente à igreja. “O sol nas bancas de revista / me enche de alegria e preguiça / quem lê tanta notícia / Eu vou....”, canto, de memória, com Caetano Veloso, o hit que desde 1967 enche de sol e luz as centenas de bancas de jornais e revistas espalhadas pela orla carioca. Enquanto a canção canta em mim, os olhos passeiam pelas manchetes e fotos das principais revistas e periódicos que circularam no Brasil, entre as décadas de 50 e 80 – período retratado pelo acervo da banca.

Entro para observar mais de perto as paredes, forradas por revistas como O Cruzeiro, Manchete e Fatos e Fotos, estampando em legras garrafais os principais acontecimentos daquelas décadas. A Guerra do Vietnam, o primeiro homem a pisar a lua, a inauguração de Brasília, a morte de Airton Senna; os Beatles, JK, Pelé, John Kennedy, Martin Luther king; nomes e imagens sobre conquistas, tragédias. ídolos de tempos idos transpassam os olhos e ora ferem, ora encantam o coração. Compro uma edição histórica da Manchete, com um balanço de 35 anos de fatos acontecidos entre 1952 e 1987 – ano da publicação, e levo de presente para o poeta Luis Turiba, que recentemente fez o caminho de volta ao Rio, depois de algumas décadas vivendo em Brasília. Eu o conheci na década de 80, como editor da Revista Bric-a-Brac, que fez história na novíssima Capital da República, ao estampar em suas páginas a vanguarda da arte brasileira, e revelar para o Brasil talentos como o do poeta Manoel de Barros, que ali publicou poemas inéditos.

Pego o metrô na Praça General Osório e salto na estação do Largo do Machado, em Laranjeiras. De lá, sigo a pé, encantada pela beleza das árvores do Largo e da Igreja de Nossa Senhora da Glória, cuja pedra fundamental foi lançada em 1842, pelo próprio Imperador D.Pedro II. Alguns quarteirões depois, finalmente, chego à Praça São Salvador, onde encontro meu amigo, acompanhado de filhos e netos, num cenário tanto bucólico quanto festivo.

Ao meu redor, circundando o velho coreto, sob a sombra abençoada de árvores centenárias, as pessoas se juntam para bater papo, tomar caipirinha e escutar a música encantadora de uma orquestra de chorinho, que enche de paz e alegria o espírito de quem por ali passa. Esse é o Rio profundo, diz-me Turiba, enquanto ouvimos, embevecidos, a execução, pela roda de choro, de clássicos desse estilo musical brasileiríssimo.

O choro, ou chorinho como a maioria o conhece, é um estilo de música bem brasileiro, surgido há cerca de 130 anos, no Rio de Janeiro, quando ainda era Capital do Império, por volta de 1870. O gênero caracteriza-se pelo virtuosismo e improviso de seus participantes. 

Como um jazz à brasileira, o chorinho – segundo estudiosos do estilo - ganhou fôlego com o flautista Joaquim Calado, ao incorporar ao solo de flauta dois violões e um cavaquinho, que improvisavam livremente em torno da melodia. Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Pixinguinha emprestaram nobreza ao gênero e o gênio de Heitor Villa-Lobos, com seu virtuoso ciclo de choros, inscreveu-o definitivamente no panteon da música universal. Na Praça São Salvador, localizada entre os bairros de Laranjeiras e Flamengo, há sete anos, grupos convidados pela Roda de Choro Arruma o Coreto se revezam no palco ao ar livre, às sombras das árvores, para oferecer ao público o melhor do chorinho nacional, do clássico ao contemporâneo. O grupo que deu início à roda de choro era formado por Ana (flauta), Mariana (bandolim), Caverna e Mário (pandeiros), Félix, Gilberto, Tábata e Alexandre (violões) e Maria (cavaco). A eles, deixo aqui o meu aplauso e a minha gratidão, em nome de todos os amantes da boa música, do bom papo e da boa vida.

                                          Eu e o poeta Luis Turiba, na Praça São Salvador

sábado, 14 de junho de 2014

SETE DIAS NO RIO


Porque hoje é sábado

Desembarco no Aeroporto Internacional do Galeão, por volta das 9 horas da manhã de um dia lindo. Hoje é sábado e comemoro antecipadamente o presente: uma semana inteira para (re) conhecer o Rio, essa cidade amada e, diria mesmo, idolatrada pela grande maioria dos brasileiros. “O Rio de Janeiro continua lindo / o Rio de Janeiro continua sendo...” – canto, baixinho, os versos do baiano Gilberto Gil, imortalizados na canção Aquele Abraço, um hino de amor e exaltação à “cidade maravilhosa”, como o Rio é conhecido nos quatro cantos do mundo.

Vou de Frescão, o ônibus executivo do Aeroporto do Galeão que, pelo preço módico de R$ 13,00, oferece ao visitante um passeio pela paisagem carioca, passando pelo Centro Histórico até desembocar no Santos Dumont, o aeroporto doméstico da cidade, que fica no coração do Aterro do Flamengo – obra fabulosa de arquitetura e paisagismo, ligando o centro da cidade à praia de Copacabana. O Aterro do Flamengo abriga o MAM – Museu de Arte Moderna, o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial e a Praça Salgado Filho. O pano de fundo dos projetos, assinados pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy e pelo genial paisagista Burle Marx, são a Baía da Guanabara e o Pão de Açúcar, dois dos principais cartões postais do Rio, cuja beleza é de tirar o fôlego.

Do Aeroporto Santos Dumont, o passeio prossegue pelas praias de Botafogo, Glória, Copacabana e Ipanema, onde desço em plena orla, no exato ponto onde a Garota de Ipanema foi eternizada nos versos do imortal Vinicius de Moraes, que uniu definitivamente a poesia à música popular brasileira. Ando pela praia, puxando minha mala, com uma alegria indisfarçável em minha cara de turista. A vida parece sorrir nos olhos dos banhistas que seguem em direção ao mar, na gente bronzeada que corre e anda, a pé e de bicicleta, nos quiosques espalhados pelo calçadão de pedras portuguesas a nos convidar a sentar e apreciar tanta beleza.

Peço um coco gelado e deixo a vista se perder nas brancas espumas do mar, quebrando na praia e na verdura do Morro Dois Irmãos, contornado pela Avenida Oscar Niemeyer, ao final da Praia do Leblon. “Hoje é sábado, amanhã é domingo / A vida vem em ondas, como o mar / Os bondes andam em cima dos trilhos / E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar”, saúdo o dia, embalada pelos versos de “O Dia da Criação”, de Vinicius, nosso poetinha maior, amado incondicionalmente pelos cariocas e por todos os que amam a poesia, elegem a paixão pela vida e exultam ante a beleza estonteante dessa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.


quinta-feira, 3 de abril de 2014

DIÁRIO DE VIAGEM


Alice

No país das maravilhas,
ela é uma estranha,
eu sempre senti
esse estranhamento.
Quando criança, vi o filme,
um mundo sobrenatural,
cheio de sustos,
de medos,
de segredos.
Assim me pareceu
Alice no País das Maravilhas,
o filme, quando o vi,
pela primeira vez.
Depois, gostei da fábula
de uma menina que se perde
em seus próprios sonhos,
e o pesadelo do mundo
fica, então, tão leve
que tudo que se quer é retornar.
Lewis Carrol devia ser
um homem triste,
até que inventou Alice
- pensa o poeta,
estranhamente triste,
por tudo enfim ser tão real.



quarta-feira, 2 de abril de 2014

DIÁRIO DE VIAGEM


Ar(te)

Uns pintam,
uns fotografam,
uns filmam,
outros tecem e rimam,
pra respirar melhor.

Uns cantam,
uns tocam.
uns dançam,
outros correm e cansam,
pra respirar melhor.

Uns sonham,
uns fazem,
uns param o tempo,
outros semeiam o vento,
pra respirar melhor.

Uns calam,
uns passam,
uns permanecem,
outros morrem
(antes que a dor os mate),
pra respirar melhor.

sábado, 15 de março de 2014

DIÁRIO DE VIAGEM


Fantasia

Amanhecerá
Dia de sol,
Beira-mar,
Manhã de
Maré cheia,
Serei feliz
Ou será
Só ilusão
ocular
Meu dorso
A se reclinar
- Vênus de luz
E areia -
Sobre a cauda
De sereia.

DIÁRIO DE VIAGEM


Viver é bom

Chego a Brasília,
- Que calor é esse, meu Deus,
Tem uma lua linda,
Lua nova soprando brisa fresca.
Que venham as noites frias
Da estação das secas
E que se abra a florada
Exótica do Cerrado.
Brasília,
Acho que é um poema
Que me nasce agora,
Vem cá, dá-me um abraço,
Minha cidade linda.
Deixa-me admirar-te,
Flor digital.
Na imensidão do Planalto.
Deitada à rede de casa,
Penso que é bom viajar
E que voltar
É melhor ainda.
Viver é bom, afinal.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

DIÁRIO DE VIAGEM


Whisky

Poema vai poema vem
e a rima nem nem
nem se importa
se é pobre ou rica
aqui se faz e aqui fica
arranhando meu ouvido
com seu ritmo
metálico de cuíca.
Mas não faz mal,
é carnaval,
desde que tudo
pulse e pisque,
Paulo Leminski.