sábado, 5 de fevereiro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Aeroporto

Sou viajante, penso ao entrar no táxi, de malas prontas, coisa recorrente nos últimos meses. Na saída, descubro que perdi meus óculos e dou um suspiro. Chega, chega de perdas, digo alto e faço um gesto de apelo ao Pai eterno. Depois, peço desculpas. Quanta arrogância, digo para mim mesma e a pena treme com o balanço do carro em movimento.
Aprendi que toda dor cessa. Não há mal que nunca acabe, nem bem que sempre dure, repito o dito popular, refletindo sobre quantas lições se pode tirar do censo comum. O fluxo do trânsito corta o fluxo do pensamento. Levanto o olhar e vejo o Lago Paranoá brilhando sob a Ponte do Bragueto. São nove horas da manhã e o Eixão resplandece verde e rosa.
Verde e Rosa são as cores da Mangueira, uma das mais tradicionais escolas de samba do Rio de Janeiro. Mas verde e rosa é também o Eixão Norte, sob o esplêndido céu azul de Brasília, onde o tempo é frio e seco e os ipês cor-de-rosa misturam-se ao verde musgo dos mangueirais. Que tempo gostoso, penso e esboço um ar de riso. Só mesmo um candango para gostar de uma estação onde a umidade do ar é menor que 20%.
Sigo pelo Eixão, agora o Sul, a caminho do Aeroporto. Daqui a algumas horas, estarei outra vez à beira-mar da Praia do Cabo Branco. Faz exatamente um ano que perdi e reencontrei o amor. Há exatamente um ano, estava do meio do furacão. Hoje não. Parece que a chuva cessou, parece que o peito secou como a paisagem desse Cerrado em movimento.
O táxi passa debaixo de um avião. Acompanho seu pouso até quase o chão e já não sinto a faca enfiada bem no centro do coração. Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe, inverto o ditado e o carro estaciona bem em frente ao saguão de embarque do Aeroporto JK. É hora de partir, é tempo de recomeçar.
“Besame, besame mucho, como se fuera esta noche la ultima vez...”, cantarolo o tango do argentino Carlos Gardel, mas na versão mais bela e mais doce do baiano João Gilberto, imortalizada no CD Amoroso. Gosto desse movimento, desse ir e vir, desse alvoroço dos aeroportos. Na fila de embarque, troco um dedo de prosa com um velho amigo, depois sigo apressada e só relaxo quando me sento à cadeira nº 5 da aeronave, bem ao corredor. Logo em seguida, no entanto, troco de assento com um senhor, para deixar unida uma família composto por pai, mãe e filho.
Meu novo lugar é a cadeira à janela, na fileira nº 4. Olho pela vidraça e acompanho o movimento do pessoal que trabalha em terra, como dizem os comandantes ao prestarem informações durante os vôos. Daqui a pouco estarei em pleno ar, a alma em transe, a caminho de algum lugar. Estou em trânsito e de alguma forma, nesse momento da vida, este parece ser o meu lugar. Sou viajante...

Um comentário:

  1. não é só pra retribuir o cumprimento não, hein? tá bonito todo esse Aeroporto... bj e muita paz e força.

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