quinta-feira, 12 de setembro de 2019
DIÁRIO DE VIAGEM
O sopro
das palavras
Luzes azuis nativas
dos céus do Altíssimo;
Mística Cruz
de Jesus Cristo,
Filho Unigênito;
Língua forjada
no fulgor do caos
original;
Poema-hino,
canto do Espírito
Santo, Santo, Santo;
Tudo o que sei
e não compreendo,
E por isso escrevo,
verbalizo, invento;
Fonte, nascente,
água doce jorrando
infinitamente;
Verbo feito verso
ecoando em mim;
Flor-de-lis,
pondo-me a alma
em frenesi;
Tríduo
de toda palavra
escrita;
Mãos tecendo
o sonho
que se fez;
Ó, Ser total
(esse que vem
antes e depois
do mal),
Sou
porque Sois
ômega e alfa;
Poesia é o dia
amanhecendo
(o sopro
das palavras);
Fiat lux,
fez-se
e acordei.
domingo, 28 de julho de 2019
Madri
Ganhei uma flor de papel
De um gajo italiano,
No Mercado São Miguel.
Seus olhos guardavam
A cor do Mediterrâneo.
No tablado de Espanha, eu vi:
Sapatos, palmas, melodias.
Ritmos de dores,
Mortes, amores,
Ecos de Andaluzia.
Olé, gritavam os gitanos,
Em meu canto imaginário.
Na Plaza de Toros,
Os animais abatidos
E a multidão em frenesi.
Bárbaro espetáculo ao qual
Não pude assistir.
De olhos vendados,
Sorvi sabores
De tapas e sangrias.
E quis morrer de amores,
E vi jorrar o sangue
De Guernica, em agonia.
Olé, gritavam os gitanos,
Em meu canto imaginário.
Eu vi Quixote partindo
Em seu cavalo,
E antigos reinos santos,
Por El Greco retratados.
E vi-te ardendo em chamas,
Sob o reino de Picasso
E em distorcidas formas,
No universo de Dali,
Foi quando, Espanha,
Mais eu te entendi.
Olé, Cidade almodovariana,
Madri e seus relicários.
Olé, gritavam os gitanos,
Em meu canto imaginário.
Amoroso
A leveza de um pássaro
Atravessa-me a noite
Insone.
Talvez ainda possa voar,
Ruir em versos,
Outra vez amante
Do sopro quente
E úmido das palavras
Êxtase, transe, arte,
E mesmo fim,
E mesmo lápide.
Essas me tomam
E me movem,
Hoje, em direção
Ao grave hálito
Dessa estranha noite
Que calou de um golpe
O transcendente
Revelado em voz e violão,
O verbo feito acorde,
Em total intimidade
Com o ritmo
Do que em nós
É eternidade.
Morrer deve ser isso,
Desprender-se do corpo
Das palavras
E bater asas,
“O resto é mar,
é tudo que eu não sei contar
São coisas lindas
que eu tenho pra te dar
Fundamental é mesmo o amor,
é impossível ser feliz sozinho”.
(Versos de Wave, de Tom Jobim, na voz e violão de João Gilberto, em seu magistral disco Amoroso).
DIÁRIO DE VIAGEM
Esse silêncio encíclico
Rodopiando dentro do ouvido.
Esse frio interno impedindo
O fluxo de calor no plexo.
Essa saudade exangue
Sobre a fuligem do amor
Ausente. Esse desejo latente
Dentro do tempo estanque.
Esse sopro dentro do sempre.
Esse inominável nome.
quarta-feira, 3 de abril de 2019
Diário de Viagem
Pane
Um dia, assistiu a
uma criança
De cinco anos
desaprender a andar.
De repente,
tombara, cambaleante;
não segurava as
próprias pernas;
E ficava
engatinhando pela casa
Como um bebê
gigante.
A imagem dessa
criança em sua
Memória deixa-a em
pânico:
O medo se
espalhando pelo corpo
Como um gás paralisante,
um vírus silencioso
dominando
A mente, até lhe
assumir o comando.
Ela sempre o sentiu
por perto
(O medo), como uma
sombra
Que, de repente,
nubla o tempo;
Como um fantasma,
um vulto
No quarto, a lhe
assombrar o sono,
A alterar seus
batimentos.
No dia em que
extirpou um tumor
Do colo do útero,
encarou
O monstro, face a
face.
Ele tentou minar
suas defesas,
Deixando-a inerte,
presa ao leito,
Como se algo a acorrentasse.
Quando reagiu aos
seus ataques,
O renegado
temporariamente fugiu
Para um umbral, um
passo à frente,
De modo que ela o
pressentisse,
Como um vento frio
a lhe eriçar
A pele, a golpear
seu ventre.
Seu pior pesadelo é
a imagem
De uma bola que vai
crescendo,
crescendo e rolando
em sua direção,
Até quase
esmaga-la, uma vez
E outra vez, e mais
outra. Então,
Acordar,
aterrorizada pela sensação.
Isso sempre
acontece quando ela
Tem febre. Sabe que
está doente
Quando a bola de
fogo, de repente,
Começa a girar e a
crescer,
Dentro da noite,
cortando seu sono
Como um tsunami
incandescente.
Vive sob o risco de
uma pane,
Um curto circuito
que lhe parta
O coração, que o
estilhace.
Há dores assim,
irremediáveis.
Lá fora, quase
amanhece. Viver
É sofrer com arte;
amar, enfim.
quarta-feira, 2 de janeiro de 2019
Se eu falasse
a língua dos anjos
A noite se arrasta
Com seus tentáculos
De sombra e presságios.
O medo é da idade do mal,
Acompanha o homem
Desde o pecado original.
Ontem, na beira-mar, vi
Sua carcaça, maçã carcomida
Rolando em águas rasas.
O anel feito de nuvens
Desfez-se no crepúsculo
E o músculo da face contraiu-se.
Andei léguas de silêncio
Até perdoar. Hoje,
Reaprendi a falar.
Daqui a pouco, amanhece
E cantarei, na língua do sol:
“O amor é bom, não quer o mal,
Não sente raiva ou se envaidece”.
Vem, amor, que é verão,
Em meu coração Nordeste.
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