Hoje, remexendo nas gavetas dos poemas, achei essa
pérola: a foto-poema de Kátia Turra, sobre esse texto de um livro que publiquei
nos anos 90. Não é uma beleza?
sábado, 22 de novembro de 2014
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
DIÁRIO DE VIAGEM
Vacina
A África morre à míngua,
Enquanto se estima
em três anos o prazo para
Uma improvável vacina
Que contenha a matança,
E se criam barreiras
Sanitárias para isolar
A peste contemporânea
Do resto do mundo,
Deixando-a ao continente
Negro circunscrita.terça-feira, 28 de outubro de 2014
DIÁRIO DE VIAGEM
Pesadelo
Cinco ilhas de lixo
flutuam em círculos
pelos mares do
Atlântico,
Índico e Pacífico.
O albatroz come os dejetos,
o golfinho, a tartaruga
e a baleia os engolem.
A cada ano, um milhão
e meio de aves e peixes
se envenenam e morrem.
Cinco corpos de plástico
atingem um raio de 3,5
milhões de km quadrados.
Eles giram no centro
de redemoinhos gigantes
e nunca, nunca chegam
ao continente.
Cientistas calculam
em mil e quinhentos
metros a profundidade
desses corpos abjetos.
Uma montanha submersa
de dejetos, lodo compacto
navegando em mar aberto,
Um cemitério de animais
mortos e de resíduos
plásticos retirados
de seus corpos.
A força colossal
dessa hecatombe
assombra-me a mente
como um pesadelo insone:
Cinco ilhas de lixo
flutuando em círculos
pelos mares do
Atlântico,
Índico e Pacífico.
sábado, 30 de agosto de 2014
DIÁRIO DE VIAGEM
Close your eyes
and listen to
the music
Love of my life,
meu peito dói,
a vida dói,
tão bela e triste.
Onde foi parar
a manhã encantada
dos amores possíveis?
Don’t leave-me,
quimera, gueixa
das ilusões,
que se inverta o tempo
até o instante em que
o cristal quebrou
e, um a um,
os cacos, mesmo
os mais minúsculos,
quase areia, quase pó,
voltem a se compor
num mesmo corpo
translúcido, o corpo
mítico do amor.
I still love you,
pulsam em mim
os sons harmônicos
de um poema lírico.
Love of my life,
ferem-me os dedos
os versos teclados
de um piano,
ressoando, rítmico,
no oco do tempo.
Bring it
back,
bring it
back,
a irradiante
luz
da paixão, o brilho
elétrico do desejo
transformado em beijo,
gozo, ínfimo
momento supremo
onde o eu dilui-se
e se refaz no outro.
Love of my
life,
love of my
life,
thanks God,
I can hear you,
Freddie.
(Inspirado na canção Love of My Life, na voz
de Freddie Mercury)
sexta-feira, 27 de junho de 2014
SETE DIAS NO RIO
Chacal e Adoniram no CEP Vinte Méier
Terça é dia de CEP Vinte Méier
O CEP Vinte Méier,
sob a batuta do poeta Ricardo Chacal, é um dos últimos redutos da poesia pop,
rebelde, irreverente, espécie de resistência poético-anárquica do Rio de
Janeiro. Fora as academias, associações e movimentos mais bem comportados –
fundamentais para a preservação de nossa memória poética -, poucos movimentos
têm essa postura, essa coisa libertária, tão presente na Geração Mimeógrafo, da
qual Chacal é um dos poetas mais representativos.
A Geração Mimeógrafo,
também chamada de Poesia Marginal, surgiu nos anos 70 e representou uma segunda
ruptura literária, no Brasil do século XX. A primeira foi o Modernismo, que
eclodiu no país nos Anos 20. O maior feito
dessa geração foi a própria linguagem que incorporou à poesia elementos do
cotidiano das ruas e da linguagem oral.
E do ponto de vista
da produção literária, o grande diferencial da poesia marginal foi a reprodução
de textos e livros no mimeógrafo, um método artesanal e alternativo de produzir
e distribuir poemas de mão em mão, em substituição aos métodos tradicionais,
envolvendo gráficas, editoras e livrarias.
O CEP Vinte Méier é
a nova roupagem do Centro de Experimentação Poética - CEP Vinte Mil, fundado
por Chacal, Guilherme Zarvos e Carlos Emílio, já nos Anos 90, quando os
chamados poetas marginais já tinham mais de uma década de estrada. O CEP faz
história no Rio há 24 anos e já funcionou em vários lugares da cidade, desde
que começou no Espaço Sérgio Porto, que pegou fogo em 2006, até ancorar no
Méier.
Em sua versão atual, que acontece uma terça feira a
cada mês, no Teatro Imperator, no bairro do Méier, zona norte da cidade, o CEP
continua sendo uma espécie de tribuna livre da poesia. E hoje o mestre de
cerimônia Chacal nos recebe com uma máscara de diabo, dizendo poemas eletrizantes,
ao som de um fagote, tocado pelo poeta e músico Adoniran Marcos.
A nova poesia carioca e a poesia autêntica do Méier,
com nomes como os de Jovi Joviniano, e dos poetas da Roda de Rima do Méier, passam
por aqui, nessa noite luminosa. Mas o brilho maior da noite quem nos traz é a
dupla Fausto Fawcett e Arnaldo Brandão, resgatando sucessos como Kátia Flávia –
uma espécie de prenúncio do rap, lançada por Faucett e sua banda, os Robôs
Efêmeros, em 1987, e Rio 40 Graus, em 1992, outro poema-canção premonitório, algo
assim como um funk high-tech, também composta por Fausto Fawcett em parceria
com Fernanda Abreu e Laufer.
Munido de sua inseparável guitarra, Arnaldo Brandão fez
duetos hipnotizantes com Fausto Fawcett, com direito a uma canja de Tavinho Paes,
outro poeta da geração mimeógrafo e velho parceiro seu. Ao final, Brandão
relembrou clássicos que compôs com outro parceiro que ficou na história, o
cantor Cazuza, como a canção O Tempo não Para, que levou a plateia ao delírio.
“Rio 40 graus, cidade maravilha, purgatório da beleza
e do caos...”. Saio do sarau com a canção na alma e a sensação de que ali no CEP
Vinte Méier, a poesia ainda pulsa, unindo inovação e história, memória e criação.
Gostei muito da nova geração de poetas e músicos que por aqui passaram, mas,
para mim, ainda hoje são nomes como os de Fawcett, Brandão e Chacal que
continuam ditando os rumos da vanguarda poética carioca. Eles ainda são
incrivelmente atuais, penso, absorta, durante a viagem de volta, pendurada no
apoio de uma alça do ônibus lotado, em direção a Ipanema.
sábado, 21 de junho de 2014
SETE DIAS NO RIO
Ipanema vista da Pedra do Arpoador
Segunda de sol no Arpoador
Há quantos milhões de anos essa pedra está
aqui, nesse mesmo lugar onde estou, sentada displicentemente em seu corpo rochoso,
a observar as ondas espalharem-se sobre a superfície áspera, molhando-a, lavando-a,
respingando em nós, observadores inebriados pela força e beleza dessa dança de
brancura e cinza, dureza e liquidez, amplidão e bruma, nessa manhã de sol? A Pedra
do Arpoador brilha ao sol de segunda-feira e a Praia de Ipanema, à direita, é
quase vazia, quase só minha e das poucas pessoas que caíram da cama cedo, para
aproveitar o sol ainda ameno e escalar a pedra, que divide as
praias de Ipanema e Copacabana.
A Pedra do Arpoador, assim como o Pão de
Açúcar e o Corcovado, é formada de um material chamado gnaisse facoidal e tem
cerca de 600 milhões de anos, segundo estudos geológicos da cidade. Localizada
entre o Forte de Copacabana e a Praia de Ipanema, seu nome nos remete ao
período colonial, quando índios e portugueses armavam-se com seus arpões para
caçarem as baleias que percorriam nossa costa. Daqui de cima, recostada no
corpo milenar das rochas, penso no milagre da visão da beleza e em sua força curativa.
Olho ao meu redor e percebo o olhar extasiado de cada um dos que pararam a
vida, por um instante, para se deixarem envolver pela paisagem, feita de céu,
luz, cores, águas e montanhas.
Sei que muitas das edificações e monumentos
coloniais da cidade do Rio de Janeiro, datadas do século XIX e inícios do
século XX, foram construídas com essas rochas. Olho mais uma vez ao meu redor e
respiro profundamente o ar fresco e úmido da manhã de sol, pronta para retomar a
caminhada em direção ao Forte e à orla de Copacabana, deixando-me embalar pela
memória de mais uma canção que exalta as belezas e delícias da cidade: “Copacabana,
princesinha do mar / Pelas manhãs tu és a vida a cantar / E a tardinha o sol
poente /Deixa sempre uma saudade na gente...”. Os versos são do samba
Copacabana, com letra de Alberto Ribeiro e música de João de Barro, o
Braguinha, gravado originalmente em 1946, por Dick Farney, e regravado dezenas
de vezes por diversos artistas de nosso cancioneiro.
Como boa viajante, continuo o passeio com
uma caminhada pelas largas calçadas de pedra portuguesa da orla de Copacabana e
sigo até o Hotel Copacabana Palace, só para apreciar sua monumental visão.
Construído nos anos 20, pelo empresário carioca Octávio Guinle, a partir de
projeto do arquiteto francês Joseph Gire, o Copacabana Palace abrigou a
lendária Golden Room, na década de 30, a primeira casa de espetáculos da
América Latina, que trouxe ao Rio grandes nomes da música internacional, como
Nat King Cole, Ray Charles e Ella Fitzgerald. Em 1989, o hotel foi tombado pelo
Patrimônio Histórico Nacional, mesmo ano em que foi comprado pelo
Orient-Express Hotels, um dos maiores grupos empresariais do mundo no ramo do
turismo.
Depois, prossigo o passeio pela praia e, quando bate o cansaço, decido dar um
mergulho nas águas geladas do mar de Copacabana e cochilar ao sol, embalada
pelas cores e vozes dos ambulantes, com suas gingas, seus bailados, suas
múltiplas falas, audíveis e logo abafadas pelo som das ondas quebrando na
praia, uma vez, e outra vez e mais uma vez. À tardinha, quando o sol esfria, pego o
caminho de volta para Ipanema, decidida a visitar o Forte de Copacabana e ali
mesmo fazer uma rápida refeição, a tempo de apreciar o deslumbrante pôr-do-sol
que se insinua no horizonte.
O início da construção do Forte de Copacabana se
deu em princípios do Século XX, por volta de 1907, e o local escolhido foi a
ponta da Igrejinha, que ficava exatamente aqui onde estou agora, na extremidade
da Praia de Copacabana. As obras tiveram início em janeiro de 1908, mas o forte
só foi inaugurado em setembro de 1914, pelo então presidente da República, Marechal
Hermes da Fonseca. Em 1987, foi criado no local do forte o Museu Histórico do
Exército e transformado em Espaço Cultural, onde se pode ver, ao ar livre, peças
de Artilharia de Costa, dos séculos XIX e XX; além da exposição permanente do
Museu Histórico do Exército, com peças dos períodos colonial, imperial e
republicano.
Depois da visita às exposições e do passeio
até o que parece ser uma continuidade da formação rochosa da Pedra do Arpoador,
sento-me aqui – exausta, mas feliz - numa das mesinhas do Café do Forte, filial
da tradicional Confeitaria Colombo, para fazer o desejado lanche e esperar o
sol se pôr, colorindo as águas e as brancas areias do mar de Copacabana. “Copacabana
o mar eterno cantor, / Ao te beijar, ficou perdido de amor, / E hoje vive a
murmurar, só a tí, / Copacabana eu hei de amar...”, canto baixinho os versos de
Copacabana, e deixo o tempo se arrastar.
segunda-feira, 16 de junho de 2014
SETE DIAS NO RIO
Roda de Choro na Praça São Salvador
Domingo na praça
Acordar no Domingo, no Rio, é uma delícia. Se o dia é meio nublado, como esse de hoje, a gente pode trocar a praia pela praça, sem
arrependimentos. Começo o passeio com uma caminhada até a Praça Nossa Senhora
da Paz, no coração de Ipanema. Entro na Igreja da Paz e faço uma oração para
iluminar o dia, depois, atravesso a Visconde de Pirajá e me delicio, lendo as
notícias expostas na Banca de Revista Antiga, na calçada da praça, voltada para
a avenida, quase em frente à igreja. “O sol nas bancas de revista / me enche de
alegria e preguiça / quem lê tanta notícia / Eu vou....”, canto, de memória,
com Caetano Veloso, o hit que desde 1967 enche de sol e luz as centenas de
bancas de jornais e revistas espalhadas pela orla carioca. Enquanto a canção
canta em mim, os olhos passeiam pelas manchetes e fotos das principais revistas
e periódicos que circularam no Brasil, entre as décadas de 50 e 80 – período retratado
pelo acervo da banca.
Entro para observar mais de perto as paredes, forradas por
revistas como O Cruzeiro, Manchete e Fatos e Fotos, estampando em
legras garrafais os principais acontecimentos daquelas décadas. A Guerra do
Vietnam, o primeiro homem a pisar a lua, a inauguração de Brasília, a morte de
Airton Senna; os Beatles, JK, Pelé, John Kennedy, Martin Luther king; nomes e imagens
sobre conquistas, tragédias. ídolos de tempos idos transpassam os olhos e ora ferem,
ora encantam o coração. Compro uma edição histórica da Manchete, com um balanço
de 35 anos de fatos acontecidos entre 1952 e 1987 – ano da publicação, e levo
de presente para o poeta Luis Turiba, que recentemente fez o caminho de volta
ao Rio, depois de algumas décadas vivendo em Brasília. Eu o conheci na década
de 80, como editor da Revista Bric-a-Brac, que fez história na novíssima
Capital da República, ao estampar em suas páginas a vanguarda da arte
brasileira, e revelar para o Brasil talentos como o do poeta Manoel de Barros,
que ali publicou poemas inéditos.
Pego o metrô na Praça General Osório e salto na estação do
Largo do Machado, em Laranjeiras. De lá, sigo a pé, encantada pela beleza das
árvores do Largo e da Igreja de Nossa Senhora da Glória, cuja pedra fundamental
foi lançada em 1842, pelo próprio Imperador D.Pedro II. Alguns quarteirões depois,
finalmente, chego à Praça São Salvador, onde encontro meu amigo, acompanhado de
filhos e netos, num cenário tanto bucólico quanto festivo.
Ao meu redor, circundando o velho coreto, sob a sombra
abençoada de árvores centenárias, as pessoas se juntam para bater papo, tomar
caipirinha e escutar a música encantadora de uma orquestra de chorinho, que
enche de paz e alegria o espírito de quem por ali passa. Esse é o Rio profundo,
diz-me Turiba, enquanto ouvimos, embevecidos, a execução, pela roda de choro,
de clássicos desse estilo musical brasileiríssimo.
O choro, ou chorinho como a maioria o conhece, é um estilo
de música bem brasileiro, surgido há cerca de 130 anos, no Rio de Janeiro, quando ainda era Capital do Império, por volta de 1870. O gênero caracteriza-se pelo
virtuosismo e improviso de seus participantes.
Como um jazz à brasileira, o
chorinho – segundo estudiosos do estilo - ganhou fôlego com o flautista Joaquim
Calado, ao incorporar ao solo de flauta dois violões e um cavaquinho, que
improvisavam livremente em torno da melodia. Chiquinha Gonzaga, Ernesto
Nazareth e Pixinguinha emprestaram nobreza ao gênero e o gênio de Heitor
Villa-Lobos, com seu virtuoso ciclo de choros, inscreveu-o definitivamente no
panteon da música universal. Na Praça São Salvador, localizada entre os bairros
de Laranjeiras e Flamengo, há sete anos, grupos convidados pela Roda de Choro
Arruma o Coreto se revezam no palco ao ar livre, às sombras das árvores, para
oferecer ao público o melhor do chorinho nacional, do clássico ao
contemporâneo. O grupo que deu início à roda de choro era formado por Ana
(flauta), Mariana (bandolim), Caverna e Mário (pandeiros), Félix, Gilberto,
Tábata e Alexandre (violões) e Maria (cavaco). A eles, deixo aqui o meu aplauso
e a minha gratidão, em nome de todos os amantes da boa música, do bom papo e da
boa vida.
Eu e o poeta Luis Turiba, na Praça São Salvador
Assinar:
Postagens (Atom)