domingo, 4 de março de 2012



Sobre o novo Velho Mundo
I

            “When I find myself in times of trouble, Mother Mary comes to me speaking words of wisdom. Let it be…”. Ganhei uma caixinha de música de meu filho, durante a viagem, desenhada com monumentos históricos de Paris: o Arco do Triunfo, a Catedral de Notre Dame, uma frase escrita em francês - La vie parisienne -, e uma antiga manivela com acordes de Let it be, o hino de louvor dos Beatles que, nos anos 70, embalou os sonhos de multidões no mundo inteiro.
          A permanência talvez seja o valor mais caro aos habitantes do Velho Mundo e é isso que encanta a nós, habitantes das terras novas das Américas, já não tão novas assim – penso, ao ouvir os sons da canção, à medida que os dedos rodam em círculos o singelo brinquedo.
          A velha Paris estava tomada por uma onda de frio oriunda da gélida Sibéria – diziam os boletins meteorológicos da TV francesa -, mas nem isso impediu o encantamento que tomou conta de minha alma ao sair do metrô, em pleno Boulevard Champs Elysèes e dar de cara com o Arc de Triumphe, todo iluminado, ornamentado por uma grande bandeira da França, tremulando ao alto, bem no meio das duas colunas que sustentam o teto suspenso do monumento.
          Naquele momento, acontecia uma cerimônia qualquer do Governo francês, havia música e guardas em trajes de gala. Estávamos eu, meus dois filhos e minha prima, cujo nome – Maria Antonieta – imediatamente remeteu-me ao advento da Revolução Francesa que mudou para sempre o curso da história da humanidade.
          Eqalitè, Libertè, Fraternitè – repito de memória a frase-símbolo que soterrou velhas monarquias européias e consagrou a república como modelo de uma nova sociedade em construção. Hoje, depois de um mês de viagem que me levou de volta às capitais da França e da Inglaterra, vinte e seis anos depois da última visita, posso dizer que entendo um pouco mais o jeito de ser e de viver dos habitantes do Velho Mundo.
          Estar ali com meus filhos, ver seus olhos brilharem a cada nova visão, a cada nova descoberta de uma história humana em constante evolução, fez-me entender um pouco mais esse sentido de continuidade e de permanência. E foi com o peito tomado pela emoção da descoberta que, dias depois, voltei a pisar o solo de Londres, a capital da Inglaterra onde vivi por sete meses, na década de 80. Mas isso já é uma história para outra crônica. Quem viver lerá.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Diário de Viagem

Mamãe faz 80 anos

Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
O sol dos trópicos
jorra, esplendoroso
e até o mar
parece cantar
canções de amor,
canções de esperança,
canções de ninar.

Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
Talvez por isso
o riso nos visite
farta e repentinamente,
talvez por isso
dancem nossos corações
e se faça eterna e leve
a roda do tempo
a se desenrolar.

Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
Como se em cada um de nós,
seus descendentes,
se prolongasse o sonho
de amar aos seus
tão plenamente
que o ato de amar,
por si só,
nos transcendesse
e nos justificasse
a trajetória humana
enfim tão frágil
e breve.

Hoje é dia de festa,
dia de comemorar
o dom da vida
e a graça de vivê-la
integralmente.

Bendito seja Deus
que de tal mãe nos concebeu,
recebe - ó mãe -
do esposo e filhos teus
os versos dessa prece.

E em gratidão a tanto
que nos deste,
vivamos nós
em paz
e em comunhão
os anos que nos restem.

                  João Pessoa, 17 de fevereiro de 2012

                  Joacil, Isabel, Eitel, Joacil Filho, Augusto, Amneres, Francisco, Nely e Rodrigo (in memoriam)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Sobre o gosto de escrever-te

Viro o tapete para que fique exatamente em frente ao box do chuveiro. Voltar pra casa tem seus rituais. Um dos que mais gosto é exatamente esse – o de repor os objetos pessoais cada um de seu jeito. E um dia, percebendo isso, simplesmente mudar tudo de lugar. Só pra começar de novo, só pra assistir à vida criar-se e se renovar.
A aventura de escrever começa a acontecer, de fato, quando a gente percebe isso. Tudo passa e tudo se renova, pois que a existência é um ciclo – pulsa em mim o sentimento. E logo se dilui, no instante mesmo em que me chamam à mesa de jantar.
Lá fora, desaba um temporal que lava até pensamento – penso, com o peito enxarcado pelo domingo cinzento. Mês de novembro em Brasília é assim mesmo, chove quase sem parar. Quer saber, deixa prá lá. É só pra paralisar o instante e te ver sonhar. Pra teu entretenimento.

domingo, 20 de novembro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

(des)afogamento

Um dia
Quis fundir
O oco de
Minha alma
Ao corpo
Da alma
Do outro
Mas sua alma
Sua mente
Seu corpo
Formavam
Um único
Solitário
Imensurável
Poço
Sem fundo
De onde
Amiúde
Eu busco
Emergir.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Sim, o amor

Um dia,
vi sua imagem
dissolver-se,
grão a grão,
qual catedral de areia
e pude enfim,
pela primeira vez,
viver a vã realidade.
Foi desde então
que aprendi a arte
de tirar leite de pedra,
e recompor-lhe a imagem,
grão a grão.

sábado, 15 de outubro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Não amor


Compulsão,
insanidade,
vício,
doença incurável,
perigo iminente
como equilibrar-se
face o precipício,
permanentemente
e então deixar-se
cair... cair...
no escuro infinito,
no abismo insondável,
no espaço mítico
sem gravidade,
poço sem fundo,
sem volta,
sem norte,
sem fim,
como se a vida
só se explicasse
no corpo
adverso do
outro,
na gêmea metade,
na face abjeta
do amor
revelada
enfim.

sábado, 17 de setembro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Por ti, Shakespeare,
beberei veneno


Ando numa viagem
de silêncio e imagem,
um universo paralelo,
anterior às palavras,
como uma casa
pintada de amarelo
a perder o olhar
de quem por ela
passa.
Ando num universo
de príncipes e de fadas,
em castelos
de névoa e de luz,
ando e carrego
minha cruz.
Ando por labirintos
e tanto mais me perco
mais te sinto próximo
de mim, Romeu.
Eu, tua sempre
Julieta, adeus.