V – Amazônia
A pororoca com suas ondas, a exuberância do verde mar da floresta, as altitudes de suas copas, o encontro das águas, a vida úmida, amazônica. Vi tudo isso apenas uma vez e fiquei encantada. Foi em 1990. Fui à Amazônia curar uma dor de morte e então a vida renasceu em meu ventre. Perdera meu irmão caçula e fui à viagem, na verdade, para amparar uma irmã, ainda mais inconsolável, desde que tudo acontecera. E quando voltei, a exuberância daquela paisagem aliada à descoberta de que eu estava grávida havia operado o milagre: saí dali curada da dor e convicta de que o Brasil é realmente abençoado e de que nenhum brasileiro deveria deixar de conhecer esse monumental tesouro verde que ocupa quase 50 por cento do território nacional.
Morte e ressurreição, não é a primeira vez que vivo esse binômio de forma brutal e inesperada. É como entrar no olho do furacão, a gente perde o chão e por um tempo que parece interminável a sensação é a de um astronauta que perde a sua nave e fica condenado eternamente à escuridão do espaço sideral. Sentia-me assim, naquela ocasião, quando então a visão da grandiosidade da floresta amazônica veio em meu auxílio e fez o mundo todo iluminar-se.
Em um dos passeios feitos durante a viagem, eu e minha irmã quase nos perdemos, dentro da floresta. De repente, distraídas pela visão de um pássaro, de um macaco, da própria luz que penetrava sutil por entre as copas altíssimas das árvores, não vimos mais o grupo e só ouvimos baixinho, quase se apagando, a voz de nossa guia perdendo-se na distância. Corremos apressadamente em direção à voz, erramos algumas vezes a trilha, até que avistamos outra vez o grupo.
A selva é assim, um labirinto de trilhas e caminhos e sons de folhagens e cantos de aves e vozes de bichos. Um mundo viçoso, encantado e absolutamente misterioso ao nossos olhares urbanos. Lembro-me de que fizemos um percurso, de canoa, por igarapés tão finos que muitas vezes tínhamos de afastar as folhagens e galhos com as mãos para que não nos arranhassem os braços. Visitamos uma espécie de casa construída em cima de árvores de troncos muito largos, um restaurante-mirante destinado aos turistas. Quando voltamos às canoas, tomamos um delicioso banho no igarapé e experimentei a água mais doce em que já mergulhara.
Há uma imagem que ficou gravada para sempre em minha memória: a de quilômetros e quilômetros ininterruptos de floresta verde às margens de rios tão largos que era-nos impossível avistar-lhes a outra margem. Navegávamos na majestosa Bacia Amazônica, em direção ao encontro das águas dos rios Negro e Solimões para formarem o Rio Amazonas, o maior do planeta. As águas não se misturam e suas cores – uma escura e outra clara - formam uma impressionante linha divisória que se estende por seis quilômetros dentro do Amazonas.
A maior bacia hidrográfica do mundo, com seus espantosos sete milhões de quilômetros quadrados, envolve seis países: Brasil, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela e Bolívia, No entanto, mais da metade dela, exatamente 3,8 milhões de quilômetros quadrados, corre em território brasileiro e abrange sete de nossos estados. É esse mundo aquático, grandioso, quase sobrenatural que abriga a Floresta amazônica, a maior reserva verde do planeta.
Segundo alerta-nos o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), cerca de 550 mil quilômetros quadrados da floresta amazônica brasileira já foram devastados, ou seja, 13,7% da mata. E pior, desse total, 200 mil quilômetros foram abandonados após terem se esgotados os recursos naturais. Trata-se de uma catástrofe ambiental de dimensões gigantescas. Uma séria ameaça às imensuráveis fauna e flora que compõem o ecossistema da floresta.
Mas mesmo hoje, onze anos e milhares de quilômetros quadrados desmatados depois de minha ida à Amazônia, a floresta resiste e ainda é possível desvendar-lhe a verve selvagem. A Amazônia é uma revelação, e como tantas outras, acontece em nosso espaço, na nossa frente, sem que muitas vezes a percebamos. Por isso, eu canto em sua homenagem; e agradeço aos céus a oportunidade de, pelo menos uma vez até então, ter visto de perto, ter testemunhado, esse milagre da Criação.
* Alguns dados sobre a Amazônia, transcritos do site repórterterra.com.br sobre a Expedição do Greepeace na Amazônia
Apenas 1/5 das florestas nativas do planeta continuam intocadas. Dos remanescentes florestais, aproximadamente 1/3 está concentrado na Amazônia.
A área total de Floresta Amazônica (mais de 6 milhões km²) tem quase o tamanho da Austrália, é maior do que a Europa Ocidental e quase tão grande quanto os EUA.
A floresta está presente em 9 países: Bolívia, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Suriname, Guiana Francesa, Guiana e Brasil.
A Bacia Amazônica é o maior reservatório de água doce do planeta. Quase 1/5 de toda a água do globo flui através de seus rios.
O Rio Amazonas tem 6.868 km de extensão (a mesma distância que separa a cidade de Nova Iorque da capital alemã Berlim). O ponto mais profundo do Rio Amazonas chega a 120m, o que é suficiente para mergulhar a Estátua da Liberdade inteira (que tem 91,5 m de altura).
Em alguns rios, a diferença entre o nível da água na estação seca e durante a cheia é igual à altura de um edifício de 8 andares.
Existem mais espécies de plantas em apenas um hectare de floresta amazônica do que em todo o continente europeu. Mais de 200 espécies de árvores podem ser contadas em um único hectare e já foram identificadas 72 formigas diferentes vivendo em apenas uma árvore.
Nos rios que cortam a floresta, existem 30 vezes mais espécies de peixes do que em todos os cursos d'água da Europa.
Mais de 30 mil tipos de plantas já foram catalogados, mas suspeita-se que outros 20 mil permaneçam desconhecidos. A vitória-régia, cujo diâmetro chega a medir 2m, é a maior flor do mundo.
Uma espécie de macaco que pesa 130g tem quase o tamanho de uma escova de dentes. Alguns índios da floresta amazônica usam estes minúsculos macacos para catar piolhos em seu coro cabeludo.