quinta-feira, 25 de dezembro de 2014
DIÁRIO DE VIAGEM
Natal
Recolhe os cacos
Do teu coração
Partido e os expõe
Ao calor do sol
Dos trópicos,
Para dourar,
À beira-mar.
Junta-lhes então
Uma porção de sal
Colhida das águas
Que te lavam os olhos
E te salgam o corpo,
Banhado pelo
Azul Atlântico.
Assiste-os derreterem-se
E outra vez fundirem-se
Em cristal translúcido,
Forjado no milagre
Da luz de dezembro,
Exatamente à meia-noite
Da véspera do Advento.
E enfim verás,
Quando o galo cantar,
À primeira hora
Do dia vinte e cinco,
O teu peito arfar
Ante a esperança
Que quebra a casca
Do ovo e nasce,
Pois que se faz Carne
Para a ti igualar-se
E alçar-te ao gozo
Do Verbo divino.
terça-feira, 9 de dezembro de 2014
DIÁRIO DE VIAGEM
Nebulosa
O poema morreu
Junto com tudo
O que pensava
Saber sentir.
Passou anos
Tentando resgatá-lo
E a inocência,
Até então intacta.
Tentou rimar
Amor e dor,
Dizer outra vez
Do mesmo,
Repetir-se,
Repetir-se,
Repetir.
Um dia, acordou
Sem palavras,
Um mundo todo
Folha em branco
A se definir.
sábado, 22 de novembro de 2014
DIÁRIO DE VIAGEM
Corpotexto
O corpo do texto fala
e ao falar revela
o texto do corpo,
sopro efêmero do desejo,
verbo aceso transmutado
em fábula, mito, hieroglifo
- línguas do corpo e do texto
buscando-se ávidas,
saliva e palavra,
pele e fala, halo,
corpotexto.
DIÁRIO DE VIAGEM
Hoje, remexendo nas gavetas dos poemas, achei essa
pérola: a foto-poema de Kátia Turra, sobre esse texto de um livro que publiquei
nos anos 90. Não é uma beleza?
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
DIÁRIO DE VIAGEM
Vacina
A África morre à míngua,
Enquanto se estima
em três anos o prazo para
Uma improvável vacina
Que contenha a matança,
E se criam barreiras
Sanitárias para isolar
A peste contemporânea
Do resto do mundo,
Deixando-a ao continente
Negro circunscrita.terça-feira, 28 de outubro de 2014
DIÁRIO DE VIAGEM
Pesadelo
Cinco ilhas de lixo
flutuam em círculos
pelos mares do
Atlântico,
Índico e Pacífico.
O albatroz come os dejetos,
o golfinho, a tartaruga
e a baleia os engolem.
A cada ano, um milhão
e meio de aves e peixes
se envenenam e morrem.
Cinco corpos de plástico
atingem um raio de 3,5
milhões de km quadrados.
Eles giram no centro
de redemoinhos gigantes
e nunca, nunca chegam
ao continente.
Cientistas calculam
em mil e quinhentos
metros a profundidade
desses corpos abjetos.
Uma montanha submersa
de dejetos, lodo compacto
navegando em mar aberto,
Um cemitério de animais
mortos e de resíduos
plásticos retirados
de seus corpos.
A força colossal
dessa hecatombe
assombra-me a mente
como um pesadelo insone:
Cinco ilhas de lixo
flutuando em círculos
pelos mares do
Atlântico,
Índico e Pacífico.
sábado, 30 de agosto de 2014
DIÁRIO DE VIAGEM
Close your eyes
and listen to
the music
Love of my life,
meu peito dói,
a vida dói,
tão bela e triste.
Onde foi parar
a manhã encantada
dos amores possíveis?
Don’t leave-me,
quimera, gueixa
das ilusões,
que se inverta o tempo
até o instante em que
o cristal quebrou
e, um a um,
os cacos, mesmo
os mais minúsculos,
quase areia, quase pó,
voltem a se compor
num mesmo corpo
translúcido, o corpo
mítico do amor.
I still love you,
pulsam em mim
os sons harmônicos
de um poema lírico.
Love of my life,
ferem-me os dedos
os versos teclados
de um piano,
ressoando, rítmico,
no oco do tempo.
Bring it
back,
bring it
back,
a irradiante
luz
da paixão, o brilho
elétrico do desejo
transformado em beijo,
gozo, ínfimo
momento supremo
onde o eu dilui-se
e se refaz no outro.
Love of my
life,
love of my
life,
thanks God,
I can hear you,
Freddie.
(Inspirado na canção Love of My Life, na voz
de Freddie Mercury)
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