domingo, 23 de janeiro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM



IV – Londres

A primeira vez que os ouvi foi no final da década de 80, em Londres - a capital mundial do Rock. Foi amor à primeira vista e quando voltei a Brasília, sete meses depois, trazia no coração a visão dos punks nos metrôs e ruas, o borrão do fog emprestando às noites um ar de ilusão, e as vozes roucas dos astros do rock, entre eles, os que mais amava: as bandas U2 e Dire Straits e a cantora nigeriana Sade.
“I have climbed the highest mountains/ I have run through the fields/ Only to be with you/ Only to be with you”, ouço o som sigularíssimo da voz do irlandês Bono, vocalista do U2, e vejo-me outra vez em Londres, subindo as longuíssimas escadarias do metrô e descendo em plena Oxford Street uma das avenidas mais movimentadas da cidade.
A vida efervescia, apesar do frio e da chuva fina, úmida e constante, que enxarcava a cidade. As tardes e noitinhas nos pubs e as noites nos porões de rock era do que eu mais gostava. E das aulas de inglês, onde em minha classe cada um dos mais de quinze alunos era de um país diferente. Não só em minha classe, mas em toda a escola misturavam-se europeus, africanos, árabes e latino-americanos e, por isso, tomar um café na hora do intervalo ou almoçar em seu pequeno restaurante era uma festa aos meus olhos e aos meus ouvidos, encantados pela diversidade dos rostos e sotaques.
Havia um árabe que soube por telefone que seu pai lhe escolhera uma noiva com quem se casaria assim que voltasse ao seu país. E havia um empresário do Japão que nos levou ao mais caro restaurante japonês de Londres e nos apresentou, um a um, os pratos mais famosos da milenar culinária de seu país. Foi a primeira vez que experimentei sashimi. E havia Bozena, a polonesa, de quem tornei-me amiga inseparável, e Kurt, o suiço alemão com quem namorei. Na época, eu o achava parecido com Rod Stewart, só que mais bonito, com seus cabelos cacheados e seus olhos azúis, muito azuis. Parecia um cantor de rock aos meus olhos inocentes, foi por isso que me encantei de pronto – penso e não contenho o riso.
Lá se vão mais de vinte anos, desde que tudo isso aconteceu, mas ainda hoje a capital inglesa provoca em mim essa sensação de alegria, de juventude, de fulgor.  “But I still haven't found/ What I'm looking for/ But I still haven't found/ What I'm looking for…”, canto com Bono o hino daquela década, gravado no álbum The Joshua Tree (1987): o trabalho mais premiado da história da banda. Londres foi um sonho bom, como tantos outros em que a vida em benção e em graça se traduz. Que venha o próximo sonho e que a fé me guie pelos caminhos de luz.

* Texto inspirado na canção I Still Haven't Found What I'm Looking For, da banda irlandesa U2 e que transcrevo abaixo:

I have climbed the highest mountains
I have run through the fields
Only to be with you
Only to be with you
I have run I have crawled
I have scaled these city walls
Only to be with you
But I still haven't found
What I'm looking for
But I still haven't found
What I'm looking for

I have kissed holy lips
Felt the healing in the fingertips
It burned like fire
This burning desire
I have spoke with the tongue of angels
I have held the hand of a devil
It was one empty night
I was cold as a stone
But I still haven't found
What I'm looking for
But I still haven't found
What I'm looking for
I believe when the Kingdom Comes
Then all the colors will bleed into one
But yes I'm still running.
You broke the bonds
You loosened the chains
You carried the cross
of my shame
of my shame
You know I believed it
But I still haven't found
What I'm looking for
But I still haven't found
What I'm looking for.

A primeira vez que os ouvi foi no final da década de 80, em Londres - a capital mundial do Rock.

sábado, 22 de janeiro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

III – Cemitério Inglês

Nos primeiros séculos, os ingleses enterraram seus mortos aqui, num pedaço de terra alta do novo mundo, debruçado sobre a Baía de Todos os Santos - penso, ao contemplar a beleza do verde mar de Salvador, daqui do alto da Ladeira da Barra.
Penso na chegada dos navegantes portugueses no longínquo ano de 1501 e no deslumbramento que lhes causou a visão dessa enseada. Era o dia 1º de novembro, Dia de Todos os Santos e por isso foi nomeada assim a Baía que daria nome à primeira cidade brasileira.
Segundo historiadores, conduziam a expedição - enviada por Portugal un ano após o descobrimento - o comandante Gaspar de Lemos e o cartógrafo e escritor italiano Américo Vespúcio, que mais tarde emprestaria seu nome a todo o continente.
Acordo do sonho do Descobrimento e volto às covas desses ingleses que, no século dezenove, com o episódio histórico da Abertura dos Portos, em 1808, também embarcaram na grande aventura de construção de um novo mundo em terras americanas.
Uns eram jovens, muito jovens, outros de meia idade, muitos dos quais vítimas de doenças tropicais. Passeio por seus túmulos e leio suas epígrafes. Segundo historiadores, a leva de ingleses incluía de caixeiros viajantes a engenheiros em busca de novas oportunidades, movidos pelo sonho de felicidade e de riqueza.
E o cemitério, fundado em 1811, veio servir de abrigo exatamente aos mortos dessas e de outras famílias não católicas, já que os católicos se enterravam dentro de suas igrejas. A historiadora inglesa Sabrina Gledhill, radicada em Salvador, afirma que há nesse local uma área ainda não descoberta onde estariam os corpos de marinheiros sepultados em massa.
Posso estar pisando em suas covas, nesse exato momento – penso, e sinto um sobressalto. Então faço uma prece por todas essas almas deitadas sob o sol, em berço esplêndido. Que descansem em paz – recito e agradeço ao Pai eterno a luz de um dia a mais.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

II - Salvador

Bálsamo, unguento, banguê, pomada pra sarar ferida do corpo e da alma, vick vaporub, axé. Você já parou para pensar em quem é você? Ile Aiyê, São Salvador, Bahia de São Salvador, meu Senhor do Bonfim, como você é bonito de se ver. (amanhã tem mais...)

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I - Brasília

Abri a farmacinha do armário e pensei: aqui, há remédio para tudo, tristeza, depressão, ressaca, alergia, histeria, febre alta, resfriado e dor de cabeça. Há remédio para a vida, disse bem alto e peguei um sonrisal. Just in case, justifiquei a receita efervescente, deitei na cama, exausta, depois de quase um mês de viagem, e simplesmente desmaiei. Estou em casa.