segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

DIÁRIO DE VIAGEM


Sobre prados verdejantes

                    (para Adélia Prado)

Eu vou reencontrar
Você, poesia,
Ó, Maria; ó, Maria,
Adélia é meu atalho,
De profundis clamavi
Ad te, Domine.
Tira o pecado do mundo
E das minhas entranhas,
O frio no pé do ventre,
O medo persistente
Da perda do amor, em mim.
Ó, Adélia; ó, Maria,
Quando o amor fechar os olhos,
Tenho medo de que tudo murche,
Flores, sonhos, desejos;
Ontem, vislumbrei seu vulto
Embaçado no espelho.
Levantei a saia do sonho
Para que me penetrasse,
Ah, a umidade do amor
E suas frases,
Ahhhhhh, ohhhhhh, ahhhhhh,
Acordar sem ar.
Ó, Maria; ó Maria,
Ser mulher é cavalgar livre
Pelos prados verdejantes.
Poesia é acreditar.

Diário de Viagem


Por quem os sinos dobram

Na convergência
Do centro da cruz
Está Jesus

Toda vez 
Que semeio palavras
Ele as exala

Corpo e alma
Anos-luz
Sóis azuis

Imã
Magma
Foz

Sopra o criador
De parábolas

(Em êxtase
Na tessitura
Da noite escura

Soa em mim
Sua clara voz)

Verbos surgem
Nomes a eles se ligam
Frases se formam do nada
E o milagre se faz

Poesia
É quando os sinos tocam
Em perfeita harmonia

Senhor, faça-se em mim
Tua vontade nessa arte
De ouvir-te e ver-te
Em tudo o que acontece

Como John Donne, 
Tua ovelha humilde
Se entristece
Com a dor de todo homem 

E mais, de qualquer ser vivente
Que essa terra habite

Todo ser que sofre, diminui-me, 
Senhor,  e nele sinto o peso
De tua cruz em mim

“...por isso não perguntes por quem 
os sinos dobram; eles dobram por ti”.

(Em aspas, versos de John Donne, em Meditações VI)