terça-feira, 22 de novembro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Sobre o gosto de escrever-te

Viro o tapete para que fique exatamente em frente ao box do chuveiro. Voltar pra casa tem seus rituais. Um dos que mais gosto é exatamente esse – o de repor os objetos pessoais cada um de seu jeito. E um dia, percebendo isso, simplesmente mudar tudo de lugar. Só pra começar de novo, só pra assistir à vida criar-se e se renovar.
A aventura de escrever começa a acontecer, de fato, quando a gente percebe isso. Tudo passa e tudo se renova, pois que a existência é um ciclo – pulsa em mim o sentimento. E logo se dilui, no instante mesmo em que me chamam à mesa de jantar.
Lá fora, desaba um temporal que lava até pensamento – penso, com o peito enxarcado pelo domingo cinzento. Mês de novembro em Brasília é assim mesmo, chove quase sem parar. Quer saber, deixa prá lá. É só pra paralisar o instante e te ver sonhar. Pra teu entretenimento.

domingo, 20 de novembro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

(des)afogamento

Um dia
Quis fundir
O oco de
Minha alma
Ao corpo
Da alma
Do outro
Mas sua alma
Sua mente
Seu corpo
Formavam
Um único
Solitário
Imensurável
Poço
Sem fundo
De onde
Amiúde
Eu busco
Emergir.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Sim, o amor

Um dia,
vi sua imagem
dissolver-se,
grão a grão,
qual catedral de areia
e pude enfim,
pela primeira vez,
viver a vã realidade.
Foi desde então
que aprendi a arte
de tirar leite de pedra,
e recompor-lhe a imagem,
grão a grão.

sábado, 15 de outubro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Não amor


Compulsão,
insanidade,
vício,
doença incurável,
perigo iminente
como equilibrar-se
face o precipício,
permanentemente
e então deixar-se
cair... cair...
no escuro infinito,
no abismo insondável,
no espaço mítico
sem gravidade,
poço sem fundo,
sem volta,
sem norte,
sem fim,
como se a vida
só se explicasse
no corpo
adverso do
outro,
na gêmea metade,
na face abjeta
do amor
revelada
enfim.

sábado, 17 de setembro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Por ti, Shakespeare,
beberei veneno


Ando numa viagem
de silêncio e imagem,
um universo paralelo,
anterior às palavras,
como uma casa
pintada de amarelo
a perder o olhar
de quem por ela
passa.
Ando num universo
de príncipes e de fadas,
em castelos
de névoa e de luz,
ando e carrego
minha cruz.
Ando por labirintos
e tanto mais me perco
mais te sinto próximo
de mim, Romeu.
Eu, tua sempre
Julieta, adeus.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM


Interseção

Entre viagens,
No intervalo entre as partidas,
Na ausência depois das chegadas,
Nos fantasmas de outras vidas,
Coisas que vi na jornada,
Tudo forma essa camada
De argamassa de mim.
Sonho ou estou acordada?
- Penso e o instante enfim passa
Embalado pela brisa
Fresca vinda do jardim.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

DIÁRIO DE VIAGEM

Sobre iluminar-se

Sopro ao teu ouvido um verso de amor.
Sopro-o pra comemorar a vida,
Essa chama insensata, desmedida,
Bela como só o amor a ela se compara

Em fala, em luz, em cor. Sopro-o
E o azul e verde da janela
Se mistura ao vento e me afaga a pele
Nua debruçada sobre o tempo,

A escrever-te. Sopro-o como sopra
O vento a eriçar-te os pelos, só
Pra provocar-te um riso absorto,

Um doce desvelo. Sopro-o pra acordar-te
e para mantê-lo - ardente, escarlate -
A iluminar-te o caminho inteiro.