Se, por hora, não tens norte
Se, por hora, não tens mar,
Mergulha os olhos na imensidão
Do Paranoá e agradece.
Se, por hora, não tens luz,
Vê e te embebes da luz
Do sol, quando amanhece.
E assiste ao róseo rastro
Vermelho do arrebol
E à clara lua a iluminar-te,
Quando anoitece. Se por hora
Não tens fé, entrega a Deus
Tua não prece, pois certamente
Ele ouvirá. E há de guiar-te,
Como essas velas brancas, o vento,
E o pensamento, a navegar.
sábado, 12 de maio de 2012
quarta-feira, 11 de abril de 2012
Diário de Viagem
Sobre
a natureza
do amor
O amor
exige
extrema
coragem
e provoca,
enfim,
um extremo
medo,
pois que é
desnudar-se
plenamente
frente ao outro,
mostrar-se
de corpo e alma,
desprender-se
da própria vontade,
quase a abrir mão
de uma identidade,
quase a perder-se
no que quer o outro,
no que sonha o outro,
conhecer-se,
enfim,
a partir do outro,
da outra metade,
é ver-se ao espelho,
é reencontrar-se
ao reencontrá-lo,
é amar de novo.
sábado, 31 de março de 2012
Sobre o novo Velho Mundo
III
Chegamos à estação de King’s Cross, após cerca de duas horas de viagem no Eurostar – o trem de alta velocidade, construído sob o mar do Canal da Mancha, ligando Paris a Londres. Há 27 anos, quando morei na capital inglesa, essa fantástica obra de engenharia estava sendo projetada e fazia-se a travessia de ferry boat.
Lembro-me da primeira vez em que fiz esse percurso. O mar do Canal da Mancha estava especialmente agitado e o barco batia tanto que minha amiga Silvia Helena, com quem eu viajava, teve sérios problemas de enjoo. E isso aconteceu com muitos dos passageiros que faziam a travessia com a gente.
Eu não. Acostumada a fazer longos passeios, a bordo das frágeis jangadas dos pescadores da Praia do Cabo Branco, em João Pessoa -, sempre tive uma tolerância impressionante ao balanço do mar.
Mesmo ali, no Canal da Mancha, com o mar jogando furiosamente a embarcação, adorei sentir o cheiro acre-doce da maresia, o vento frio batendo em minha face e o gosto salgado das espumas tocando meus lábios, quando uma onda mais afoita espirrava sobre o casco. Mas isso foi há muito tempo.
Naquela tarde fria de fevereiro, desembarcamos - eu e minha prima, Maria Antonieta - na estação central de Londres pelo túnel de 51 quilômetros construído abaixo do leito do mar. Eu estava ansiosa para rever Silvia, depois de tanto tempo e reconheci-a imediatamente, em meio à multidão, vestida num casaco vermelho.
Ficamos emocionadas com o reencontro. Após 27 anos, éramos a um só tempo outras e as mesmas. Mulheres maduras a essa altura da vida, abençoadas com a graça da maternidade, marcadas por tantas dores e amores, ao longo de mais de duas décadas, permanecia em nós a mesma empatia, a compreensão mútua, o amor fraterno como só se encontra no solo fértil das verdadeiras amizades.
Saímos da estação diretamente para o casarão de três andares, onde duas décadas atrás, moramos num pequeno estúdio, alugado por Mr. Alexander, nosso Senhorio, um inglês absolutamente encantador que nos conquistou de cara pela delicadeza e cuidados com nosso bem-estar e segurança.
Mr. Alexander era casado com Janeth, uma senhora escocesa que algumas vezes nos convidava a tomar o chá das cinco, em sua agradabilíssima companhia. Só que o chá das cinco de Janeth era regado ao mais puro uísque escocês e a boa conversa com o casal de senhorios costumava estender-se até a noite, depois de alguns drinques e muitas risadas.
E havia Ron, o charmoso filho do queridíssimo casal que, de cara, conquistou o coração de Silvia Helena. Sua extrema educação e sutileza britânica, no entanto, terminou por adiar o romance. Minha querida amiga chegou mesmo a duvidar de seu real interesse nela, embora não raras vezes nos levasse e buscasse, em seu próprio carro, aos nossos inúmeros passeios de descoberta pela agitada noite londrina.
Deixamos as malas em casa e fomos conhecer o Tate Museum, o mais novo empreendimento da famosa galeria inglesa. Estranhamente, não fazia o frio cortante do inverno em Paris, embora os termômetros medissem menos um grau.
Entramos no museu e por algumas horas nos deslumbramos com uma incrível coleção de obras do modernismo europeu. Parecíamos outra vez meninas, descobrindo os encantos desse sempre renovado vigor cultural do Velho Mundo. Não faltaram também boas risadas, quando chegamos ao setor destinado à arte contemporânea e nos deparamos com algumas, a princípio, incompreensíveis – e premiadas – instalações, como a obra Sunflower Seeds, uma impressionante montanha de centenas de milhares de sementes de girassol bem no meio do vão de uma sala.
A grandeza da obra, na verdade, está no fato de que cada uma daquelas minúsculas sementes serem feitas de porcelana e terem sido pintadas à mão, individualmente, por mil e seiscentos artesãos chineses. Sunflower Seeds é uma instalação criada por Ai Wei Wei, um dos mais importantes artistas da atualidade, famoso pelo enfrentamento do fechado Governo da China em defesa da democracia e dos direitos humanos.
Quando saímos do museu, a velha Londres nos brindou com um espetáculo da mais pura beleza. Caía uma tempestade de neve que levava adultos e crianças a acorrerem ao calçadão em frente ao Rio Tamisa e brincarem como crianças de jogar bolas de neve uns nos outros. É claro que imediatamente entramos na brincadeira e quando por fim entramos numa pizzaria alguns metros depois do museu, estávamos literalmente encharcadas de neve e exaustas de tanto correr e rir.
Depois voltamos para casa onde Ron, o filho de Mr. Alexander, que se tornara marido de Silvia Helena, nos esperava com um belo jantar e uma garrafa de um delicioso vinho tinto que nos esquentou o corpo e o coração. Sim, porque quando acabou nossa temporada em Londres, há 27 anos, eu voltei a Brasília para terminar o curso de jornalismo na UnB e Silvia seguiu para uma temporada em Paris. Foi quando Ron finalmente tomou uma atitude. Foi a Paris com uma dúzia de rosas e poucos meses depois estavam juntos, no mesmo velho casarão em que tínhamos morado por sete meses, na condição de inquilinas. Só que, dessa vez, Silvia e Ron eram marido e mulher. Mas isso já é uma história para outra crônica. Quem viver lerá.
terça-feira, 13 de março de 2012
Sobre o novo Velho Mundo
II
Paris é uma festa é o título de um livro memorável, escrito por Ernest Hemingway, nos anos 60, mas que retrata a Paris da década de 20 do século passado, quando artistas do mundo inteiro – entre eles, o próprio Hemingway - buscavam inspiração nos museus, cafés e bulevares da cidade-luz. Hoje, os tempos são outros – penso ao lembrar os rostos sombrios, a impaciência e a estranha pressa que parece mover os passos do francês contemporâneo.
Ainda assim, aos olhos do mundo, Paris continua sendo uma festa, e por isso todos os dias, suas ruas são tomadas por milhares de turistas que – como eu – se dispõem a enfrentar o frio e o vento cortante do inverno, só para desfrutar da beleza e dos séculos de história inscritos em suas suntuosas construções.
O Palais de Versailles, a Pirâmide do Louvre, o Musée d’Orsay, um passeio pelas ruas do Marais, a visão da Tour Eiffel iluminada, andar até não sentir mais os pés e depois deliciar-se com um bom Bordeaux e a sugestão do chef de um dos bistrôs espalhados às centenas pelos 20 arrondissements da cidade.
A culinária francesa é tão rica e variada que é quase impossível conhecê-la, em sua totalidade. Para mim foi um presente, uma benção mesmo, poder sair com meus filhos, dia após dia, a experimentar seus tantos sabores, suas iguarias, seu mix de tradição e invenção como só é possível encontrar em Paris.
Num desses dias abençoados, fui visitar a Chapelle de La Médaille Miraculeuse, onde, no século XIX, Nossa Senhora se revelou a Catherine Labouré, e pediu-lhe para cunhar uma medalha com a inscrição – Ó Maria concebida sem pecados, rogai por nós que recorremos a vós. Ao uso dessa medalha são atribuídas até hoje centenas de milhares de curas, ao redor do mundo.
Cheguei à capela no exato momento em que começava uma missa. Assisti ao rito, completamente tomada pela emoção, embalada pela voz de um anjo que, disfarçado de irmã da caridade, entoava cânticos de louvor, durante toda a celebração. E foi então que testemunhei um milagre, mas isso já é história para outra crônica. Quem viver lerá.
domingo, 4 de março de 2012
Sobre o novo Velho Mundo
I
“When I find myself in times of trouble, Mother Mary comes to me speaking words of wisdom. Let it be…”. Ganhei uma caixinha de música de meu filho, durante a viagem, desenhada com monumentos históricos de Paris: o Arco do Triunfo, a Catedral de Notre Dame, uma frase escrita em francês - La vie parisienne -, e uma antiga manivela com acordes de Let it be, o hino de louvor dos Beatles que, nos anos 70, embalou os sonhos de multidões no mundo inteiro.
A permanência talvez seja o valor mais caro aos habitantes do Velho Mundo e é isso que encanta a nós, habitantes das terras novas das Américas, já não tão novas assim – penso, ao ouvir os sons da canção, à medida que os dedos rodam em círculos o singelo brinquedo.
A velha Paris estava tomada por uma onda de frio oriunda da gélida Sibéria – diziam os boletins meteorológicos da TV francesa -, mas nem isso impediu o encantamento que tomou conta de minha alma ao sair do metrô, em pleno Boulevard Champs Elysèes e dar de cara com o Arc de Triumphe, todo iluminado, ornamentado por uma grande bandeira da França, tremulando ao alto, bem no meio das duas colunas que sustentam o teto suspenso do monumento.
Naquele momento, acontecia uma cerimônia qualquer do Governo francês, havia música e guardas em trajes de gala. Estávamos eu, meus dois filhos e minha prima, cujo nome – Maria Antonieta – imediatamente remeteu-me ao advento da Revolução Francesa que mudou para sempre o curso da história da humanidade.
Eqalitè, Libertè, Fraternitè – repito de memória a frase-símbolo que soterrou velhas monarquias européias e consagrou a república como modelo de uma nova sociedade em construção. Hoje, depois de um mês de viagem que me levou de volta às capitais da França e da Inglaterra, vinte e seis anos depois da última visita, posso dizer que entendo um pouco mais o jeito de ser e de viver dos habitantes do Velho Mundo.
Estar ali com meus filhos, ver seus olhos brilharem a cada nova visão, a cada nova descoberta de uma história humana em constante evolução, fez-me entender um pouco mais esse sentido de continuidade e de permanência. E foi com o peito tomado pela emoção da descoberta que, dias depois, voltei a pisar o solo de Londres, a capital da Inglaterra onde vivi por sete meses, na década de 80. Mas isso já é uma história para outra crônica. Quem viver lerá.
quinta-feira, 1 de março de 2012
Diário de Viagem
Mamãe faz 80 anos
Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
O sol dos trópicos
jorra, esplendoroso
e até o mar
parece cantar
canções de amor,
canções de esperança,
canções de ninar.
Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
Talvez por isso
o riso nos visite
farta e repentinamente,
talvez por isso
dancem nossos corações
e se faça eterna e leve
a roda do tempo
a se desenrolar.
Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
Como se em cada um de nós,
seus descendentes,
se prolongasse o sonho
de amar aos seus
tão plenamente
que o ato de amar,
por si só,
nos transcendesse
e nos justificasse
a trajetória humana
enfim tão frágil
e breve.
Hoje é dia de festa,
dia de comemorar
o dom da vida
e a graça de vivê-la
integralmente.
Bendito seja Deus
que de tal mãe nos concebeu,
recebe - ó mãe -
do esposo e filhos teus
os versos dessa prece.
E em gratidão a tanto
que nos deste,
vivamos nós
em paz
e em comunhão
os anos que nos restem.
João Pessoa, 17 de fevereiro de 2012
Joacil, Isabel, Eitel, Joacil Filho, Augusto, Amneres, Francisco, Nely e Rodrigo (in memoriam)
Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
O sol dos trópicos
jorra, esplendoroso
e até o mar
parece cantar
canções de amor,
canções de esperança,
canções de ninar.
Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
Talvez por isso
o riso nos visite
farta e repentinamente,
talvez por isso
dancem nossos corações
e se faça eterna e leve
a roda do tempo
a se desenrolar.
Hoje é dia de festa,
dia de comemorar.
Como se em cada um de nós,
seus descendentes,
se prolongasse o sonho
de amar aos seus
tão plenamente
que o ato de amar,
por si só,
nos transcendesse
e nos justificasse
a trajetória humana
enfim tão frágil
e breve.
Hoje é dia de festa,
dia de comemorar
o dom da vida
e a graça de vivê-la
integralmente.
Bendito seja Deus
que de tal mãe nos concebeu,
recebe - ó mãe -
do esposo e filhos teus
os versos dessa prece.
E em gratidão a tanto
que nos deste,
vivamos nós
em paz
e em comunhão
os anos que nos restem.
João Pessoa, 17 de fevereiro de 2012
Joacil, Isabel, Eitel, Joacil Filho, Augusto, Amneres, Francisco, Nely e Rodrigo (in memoriam)
terça-feira, 22 de novembro de 2011
DIÁRIO DE VIAGEM
Sobre o gosto de escrever-te
Viro o tapete para que fique exatamente em frente ao box do chuveiro. Voltar pra casa tem seus rituais. Um dos que mais gosto é exatamente esse – o de repor os objetos pessoais cada um de seu jeito. E um dia, percebendo isso, simplesmente mudar tudo de lugar. Só pra começar de novo, só pra assistir à vida criar-se e se renovar.
A aventura de escrever começa a acontecer, de fato, quando a gente percebe isso. Tudo passa e tudo se renova, pois que a existência é um ciclo – pulsa em mim o sentimento. E logo se dilui, no instante mesmo em que me chamam à mesa de jantar.
Lá fora, desaba um temporal que lava até pensamento – penso, com o peito enxarcado pelo domingo cinzento. Mês de novembro em Brasília é assim mesmo, chove quase sem parar. Quer saber, deixa prá lá. É só pra paralisar o instante e te ver sonhar. Pra teu entretenimento.
Viro o tapete para que fique exatamente em frente ao box do chuveiro. Voltar pra casa tem seus rituais. Um dos que mais gosto é exatamente esse – o de repor os objetos pessoais cada um de seu jeito. E um dia, percebendo isso, simplesmente mudar tudo de lugar. Só pra começar de novo, só pra assistir à vida criar-se e se renovar.
A aventura de escrever começa a acontecer, de fato, quando a gente percebe isso. Tudo passa e tudo se renova, pois que a existência é um ciclo – pulsa em mim o sentimento. E logo se dilui, no instante mesmo em que me chamam à mesa de jantar.
Lá fora, desaba um temporal que lava até pensamento – penso, com o peito enxarcado pelo domingo cinzento. Mês de novembro em Brasília é assim mesmo, chove quase sem parar. Quer saber, deixa prá lá. É só pra paralisar o instante e te ver sonhar. Pra teu entretenimento.
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