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Medo (Clarice Lispector, 1975) |
Pane
Um dia, assistiu a
uma criança
De cinco anos
desaprender a andar.
De repente,
tombara, cambaleante;
não segurava as
próprias pernas;
E ficava
engatinhando pela casa
Como um bebê
gigante.
A imagem dessa
criança em sua
Memória deixa-a em
pânico:
O medo se
espalhando pelo corpo
Como um gás paralisante,
um vírus silencioso
dominando
A mente, até lhe
assumir o comando.
Ela sempre o sentiu
por perto
(O medo), como uma
sombra
Que, de repente,
nubla o tempo;
Como um fantasma,
um vulto
No quarto, a lhe
assombrar o sono,
A alterar seus
batimentos.
No dia em que
extirpou um tumor
Do colo do útero,
encarou
O monstro, face a
face.
Ele tentou minar
suas defesas,
Deixando-a inerte,
presa ao leito,
Como se algo a acorrentasse.
Quando reagiu aos
seus ataques,
O renegado
temporariamente fugiu
Para um umbral, um
passo à frente,
De modo que ela o
pressentisse,
Como um vento frio
a lhe eriçar
A pele, a golpear
seu ventre.
Seu pior pesadelo é
a imagem
De uma bola que vai
crescendo,
crescendo e rolando
em sua direção,
Até quase
esmaga-la, uma vez
E outra vez, e mais
outra. Então,
Acordar,
aterrorizada pela sensação.
Isso sempre
acontece quando ela
Tem febre. Sabe que
está doente
Quando a bola de
fogo, de repente,
Começa a girar e a
crescer,
Dentro da noite,
cortando seu sono
Como um tsunami
incandescente.
Vive sob o risco de
uma pane,
Um curto circuito
que lhe parta
O coração, que o
estilhace.
Há dores assim,
irremediáveis.
Lá fora, quase
amanhece. Viver
É sofrer com arte;
amar, enfim.