sábado, 10 de agosto de 2013

DIÁRIO DE VIAGEM






Sobre meu pai

Olho o tempo azul,
quente e seco do cerrado
e lembro-me do homem velho,
digno, de boné, suspensório
e camisa de sábado.
Porque era sábado
aquele dia em minha memória,
véspera do Dia dos Pais,
exatamente como agora.
E foi ali, naquela adega,
escolhendo os vinhos
do almoço, logo mais,
em sua casa, que, há um ano,
despedi-me de meu pai.
Dias depois, ele se foi
e aquela conversa alegre
com o dono da adega
– ambos a comemorarem a vida,
entre histórias e passagens
de suas memórias –
é a última cena
de que me lembro.
E que descanse em paz –
rezo e me despeço do momento,
pois que outra cena do convívio
entre papai e mamãe
já me arrebata o pensamento.
Que lhe sejam perdoados
seus pecados – completo
a oração, com um sorriso,
enquanto desenha-se
em minha memória,
como um quadro bíblico,
a cena de uma extensa
lista de pecados
apresentada a papai
pelo próprio São Pedro,
a barrar-lhe a porta do céu.
Fecho os olhos e quase
posso ouvir o riso maroto
de mamãe, que adorava
fazer-lhe essa ameaça.
E o mais engraçado
é que ele – já velhinho –
morria de medo do castigo.
Íntegro, homem de fé
e de princípios,
meu pai era um eterno
apaixonado: por mamãe,
pela política, pela vida.
Por isso, hoje, nesse dia
de saudade e de bonança,
quero dizer que dele herdei
essa paixão e que, por isso,
sou-lhe grata, também
por tê-lo tido como pai,
a imprimir-me
força e esperança.
- Fica com Deus,
papai, e pede luz
para cada um de nós
que guarda teu legado
na lembrança.



quinta-feira, 4 de julho de 2013

DIÁRIO DE VIAGEM


Poetweet 43 - Além da dor, além da solidão do féretro, nas partidas; há o amor, chama inextinguível, a nos guiar, na comoção das despedidas.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

DIÁRIO DE VIAGEM




Assim caminha a humanidade

Somente sozinho
O homem se faz
E, por isso, em si,
Dentro de si, ele se basta.

O homem é a tábua
De salvação de si próprio
E do outro, por extensão.

Irmão siamês de si
E de ti, ele te vê
Enquanto o vês,
Em toda extensão
De vossas almas.

Porque nunca é rasa
A cova onde despejais
Dor, ausência, perdição.

O homem é pão e dele
Tu te alimentas e, a ele,
Que de ti retira o substrato
De toda criação.

O homem, sozinho, é
Ao mesmo tempo
Negação e justificativa
De sua existência.

Nasce e morre assim
E sua alma una prossegue
Enfim sua jornada,

Até que reconheça
O que é começo,
O que é estrada,
E o que é fim.

* O título faz homenagem a um clássico do cinema norte-americano de 1956, o último encenado por James Dean, que morreu, aos 24 anos, antes da estréia. Giant, o título em inglês, ganhou no Brasil o título de Assim caminha a humanidade.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

DIÁRIO DE VIAGEM


Poetweet 42 - Trepadeira lilás e verde se enrosca nas colunas da tarde, cuja luz imberbe penetra a pele, e se represa em minha alma agreste.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

DIÁRIO DE VIAGEM




Porque o sol nasce pra todos

               (ao claro espírito de Renato Russo)

Hoje, vou ao Bar Beirute, penso, assim que amanheço.
Há horas, o dia raiou no céu de Brasília.
Ao meio-dia, a tarde emergente ainda é fria
E flores se abrem ao relento, arrepiadas
Pela brisa fresca que me arrepia.
"Quando o sol bater / na janela do teu quarto",
Pareço ouvir a voz de Renato Russo
Ecoar pelas janelas do tempo, a despertar
Saudades de outras tardes em outros tempos
- Penso e abro um sorriso ante o azul intenso
Do céu quase perto, quase ao meu encalço.
Hoje, vou ao Beirute, encontrar um velho amigo,
Dos tempos em que se podia ouvir Renato Russo
Cantando num concerto às margens do asfalto.
"Lembra e vê / que o caminho é um só”,
Deixo-me entardecer à luz da melodia,
E essa crônica, enfim, que me perdoe,
Mas hoje o sol nasce pra todos,
Hoje eu posso mudar o mundo,
Hoje não dá pra não ser poesia.

sábado, 20 de abril de 2013

DIÁRIO DE VIAGEM


Porque há pedras
no meio do caminho


Ossos do ofício
ou
tinha uma pedra no meio do caminho
ou
há que se pagar o preço,

Essas, as idéias
que me tomam
o pensamento,
no momento mesmo
em que me sento
para escrever-te
um verso.

De onde vem
essa voz secreta
a soprar palavras
ao ouvido
de um poeta,
eu te pergunto,
mítico leitor.

É pra estar contigo,
pra te falar
do excelso amor,
poema que persigo
como quimera,
quanto mais distante,
tanto mais sonhada
por minha alma
sedenta do fulgor
da primavera.

Por isso,
quando as geleiras
dos invernos rigorosos
petrificarem tua alma,
deita teus olhos
com calma
na lavra
que te ofereço:

Todo inverno
é passageiro,
por mais que te doam
os ossos,
todo fim é recomeço.

(Ensaio sobre o poema No Meio do Caminho, de Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 17 de abril de 2013

DIÁRIO DE VIAGEM

Mas quais são as palavras
Que nunca são ditas



Gosto de brincar
de palavras com
o papel em branco.
Digo-lhe: amar
e ele faz cara
de desdém e diz:
bah, muda o disco.

- Ó branquelo,
a gente já está
na era do pós-CD,
do Ipod, ora se pode
você falar de
bolachão nesse
poema. Só se for
pra fazer rir,
e como não sou
Nicolas Behr,
mudo o tema
da poesia e lhe
proponho falar
de dor e de alegria.

Essa é uma
história sem fim
e não cabe
num poema, diz
o papel almaço
e se arrepia ao
toque da caneta
à minha mão
riscando sua pele
branca como
a luz do dia.

-Então, que tal
falarmos do
indizível prazer
de com você
forjar palavras,
sussurro ao seu
ouvido e ele
enfim se cala
e cede a mim
seu corpo,
espaço sem fim
onde derramo
empíricas palavras.

           (O título é um verso da canção Quase sem querer, de Renato Russo)