sábado, 26 de setembro de 2020

Diário de Viagem


Linguagem


Daqui do alto,

Vejo uma praia

De águas doces;

Vejo um jardim;

Uma mulher limpando

O assoalho;

Um homem exercitando-se,

Sob um sol a pino.


Vejo a manhã espreguiçar-se,

Desprendendo-se,

Lentamente,

Do frescor matutino.

Já passa das nove

E meu olhar peregrino

Perde-se no azul

Da paisagem.


Vê quanta luz

Há na viagem!

Dela usufrui;

Deixa que te mate a sede.

Também eu estou

A beber de sua fonte,

Como decerto

Toda a humanidade.

Selemos nossa sorte

Com o substantivo beijo;

Latentes desejos vertendo

Em nossos rios interiores;

Nascente linguagem.


              Amneres

              26/09/2020

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Diário de Viagem



Costa, Lúcio e mar


Começo o poema, catando

Folhas brancas em meio 

Às caixas da mudança. 


Dançam, balançam

As anáguas, as lânguidas 

Águas do Lago Paranoá.


Ah, se fosse o mar

A lavar as mágoas,

Até onde a vista alcança!


E tudo que se visse fosse

Outra vez um novo mundo

A desnudar-se ao olhar.


Para sempre, amar, 

Sopram, sussurrantes, 

As brancas vozes do mar.


De dentro de um búzio, 

Enterrado nas entranhas

Desse Lago mítico,


Ecoam os sons idílicos

Da Cidade sonhada

Por um certo Lúcio. 


Costa é o nome que se dá 

Às terras e enseadas,

Às margens dos oceanos.


Sonhar é levar os mares

Aos longes altiplanos.

Poesia é sabe-los lá...


                Amneres

                22/09/2020

domingo, 22 de março de 2020

DIÁRIO DE VIAGEM



Ra Ma Da Sa

Das profundezas do mar azul
Renasço, corpo liquefeito, olhos
Úmidos de sonhar. Meu coração
É um barco navegando em mar
Aberto, sonho infinito inscrito
Nos topos eróticos dos meus dedos,
Hálito salgado misturado às ondas
Dos desejos dedilhando versos.
Estrelas do céu, estrelas do mar,
Entre elas, deito em meu leito
De espumas. Hoje, sou puro
Sopro descerrando as pálpebras
Da bruma. Faça-se luz e a luz
Se faz, e então as cores e os sons.
Sois o Verbo, Fonte Primordial,
Inventor das manhãs. Dissipais, pois,
A treva e com ela a dor, e com ela
O medo que se espalha sobre
A Terra. Hoje, minha alma
Mimética canta o amor
Na língua do dom:
Ra Ma Da Sa
Sa Say So Hung...

(Inspirado na canção Ra Ma Da Sa,
da cantora Snatam Kaur)


segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

DIÁRIO DE VIAGEM


Sobre prados verdejantes

                    (para Adélia Prado)

Eu vou reencontrar
Você, poesia,
Ó, Maria; ó, Maria,
Adélia é meu atalho,
De profundis clamavi
Ad te, Domine.
Tira o pecado do mundo
E das minhas entranhas,
O frio no pé do ventre,
O medo persistente
Da perda do amor, em mim.
Ó, Adélia; ó, Maria,
Quando o amor fechar os olhos,
Tenho medo de que tudo murche,
Flores, sonhos, desejos;
Ontem, vislumbrei seu vulto
Embaçado no espelho.
Levantei a saia do sonho
Para que me penetrasse,
Ah, a umidade do amor
E suas frases,
Ahhhhhh, ohhhhhh, ahhhhhh,
Acordar sem ar.
Ó, Maria; ó Maria,
Ser mulher é cavalgar livre
Pelos prados verdejantes.
Poesia é acreditar.

Diário de Viagem


Por quem os sinos dobram

Na convergência
Do centro da cruz
Está Jesus

Toda vez 
Que semeio palavras
Ele as exala

Corpo e alma
Anos-luz
Sóis azuis

Imã
Magma
Foz

Sopra o criador
De parábolas

(Em êxtase
Na tessitura
Da noite escura

Soa em mim
Sua clara voz)

Verbos surgem
Nomes a eles se ligam
Frases se formam do nada
E o milagre se faz

Poesia
É quando os sinos tocam
Em perfeita harmonia

Senhor, faça-se em mim
Tua vontade nessa arte
De ouvir-te e ver-te
Em tudo o que acontece

Como John Donne, 
Tua ovelha humilde
Se entristece
Com a dor de todo homem 

E mais, de qualquer ser vivente
Que essa terra habite

Todo ser que sofre, diminui-me, 
Senhor,  e nele sinto o peso
De tua cruz em mim

“...por isso não perguntes por quem 
os sinos dobram; eles dobram por ti”.

(Em aspas, versos de John Donne, em Meditações VI)

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

DIÁRIO DE VIAGEM




O sopro
das palavras


Luzes azuis nativas
dos céus do Altíssimo;

Mística Cruz
de Jesus Cristo,
Filho Unigênito;

Língua forjada
no fulgor do caos
original;

Poema-hino,
canto do Espírito
Santo, Santo, Santo;

Tudo o que sei
e não compreendo,

E por isso escrevo,
verbalizo, invento;

Fonte, nascente,
água doce jorrando
infinitamente;

Verbo feito verso
ecoando em mim;

Flor-de-lis,
pondo-me a alma
em frenesi;

Tríduo
de toda palavra
escrita;

Mãos tecendo
o sonho
que se fez;

Ó, Ser total
(esse que vem
antes e depois
do mal),

Sou
porque Sois
ômega e alfa;

Poesia é o dia
amanhecendo
(o sopro
das palavras);

Fiat lux,
fez-se
e acordei.

domingo, 28 de julho de 2019



Madri



Ganhei uma flor de papel

De um gajo italiano,

No Mercado São Miguel.

Seus olhos guardavam

A cor do Mediterrâneo.



No tablado de Espanha, eu vi:

Sapatos, palmas, melodias.

Ritmos de dores,

Mortes, amores,

Ecos de Andaluzia.



Olé, gritavam os gitanos,

Em meu canto imaginário.



Na Plaza de Toros,

Os animais abatidos

E a multidão em frenesi.

Bárbaro espetáculo ao qual

Não pude assistir.



De olhos vendados,

Sorvi sabores

De tapas e sangrias.

E quis morrer de amores,

E vi jorrar o sangue

De Guernica, em agonia.



Olé, gritavam os gitanos,

Em meu canto imaginário.



Eu vi Quixote partindo

Em seu cavalo,

E antigos reinos santos,

Por El Greco retratados.

E vi-te ardendo em chamas,

Sob o reino de Picasso



E em distorcidas formas,

No universo de Dali,

Foi quando, Espanha,

Mais eu te entendi.

Olé, Cidade almodovariana,

Madri e seus relicários.



Olé, gritavam os gitanos,

Em meu canto imaginário.